A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

sábado, 26 de setembro de 2009

Darwinismo social - saia dessa...

Novamente emanam do "Peroratio" questões que reviram o âmago da teologia seriamente pensada.



(2009/493) Jimmy Carter deixa a Southern Baptist Convention


1. Recebo do Élcio Sant'anna e-mail "repercutindo" a tradução de artigo de Jimmy Carter, publicado em 12/07/09 no The Observer, da Inglaterra, dando conta de seu afastamento da Southern Baptist Convention (Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos). O e-mail consiste da transcrição da tradução do artigo feita por Gustavo K-fé Frederico, e publicada originalmente em 20/09 no Pavablog.

3. Algumas breves considerações. Já havia ouvido falar desse realinhamento misógino da Southern Baptist Convention (1). Deplorável. Mas se trata, afinal, da mesma região escravagista de há duzentos anos, e ainda muito, muito fortemente racista. A misoginia é apenas mais um traço do caráter dessa região. É lamentável que o povo do sul dos Estados Unidos, não marcado por eses traços imorais, porque acredito que haja gente saudável ali, não tenha forças - e se tem, não a usa - para limpar esse câncer, essa alma de KKK, para extirpar esse tumor. Recuso-me a citar versos bíblicos para defender a igualdade entre brancos, negros, homens e mulheres. Se a Bíblia defendesse escravidão - e há passagens até que a legitimam e/ou a toleram! - ou o tratamento das mulheres como inferiores - e há, sim, inúmeras passagens que inferiorizam as mulheres, e legitimam seu tratamento misógino -, eu simplesmente dava de ombros, e optava pela mulher, pelo negro, pelo homem livre. A Bíblia, aí, está errada. Quem diz amar a Deus e aborrece seu próximo é mentiroso - até, eventualmente, autor sagrado que o faça...

4. "Mas meus colegas Anciãos e eu, que viemos de várias fés e históricos, não precisamos mais nos preocuparmos com ganhar votos ou evitar controvérsias – e nós estamos profundamente comprometidos em desafiar a injustiça aonde quer que a vejamos". Eis, aí, confessada, a razão porque muitos dos postulantes a pastores "fazem contas", quando estudam Teologia. Medem o que devem e o que não devem aprender em função das contas que fazem, dos cargos que querem, dos projetos que almejam, e permanecem pactuados com toda sorte de imoralidade política. Oxalá nossa geração não precise chegar à velhice para ter coragem. A comodidade de o dizer somente quando velho carrega sobre si o crime de acobertar-se, enquanto jovem e político, os crimes que a velhice denuncia, mas a juventude já reconhecia. Desde 1999 os batistas do sul afirmam a inferioridade da mulher - isso faz já 10 anos!

5. "Embora não tenha estudo em religião ou teologia, eu entendo que os versos cuidadosamente selecionados encontrados nas escrituras sagradas para justificar a superioridade dos homens se devem mais ao tempo e ao lugar – e à determinação de líderes masculinos que mantêm sua influência – do que a verdades eternas. Trechos bíblicos similares poderiam ser achados para apoiar a escravatura e o consentimento tímido a ditadores opressivos". Não é preciso mais nada a ser dito. Esse parágrafo encerra a mais lúcida compreensão da visão geral das Escrituras. Mas não é apenas um arranjo ou outro de versículos que constitui dívida ao tempo e ao lugar - tudo nelas, absolutamente tudo na Bíblia é próprio de seu tempo e de seu lugar. Nada há, ali, que não seja cultural, circunstancial, histórico. A fé, eventualmente, que aprenda a lidar com isso e não esconda tão ululante obviedade das consciências.

6. Os batistas brasileiros, lamentavelmente, nesse aspecto, descendem dos batistas do sul. Há um DNA político-direitista, machista, fundamentalista, em nós. É necessário que reconheçamos nossa origem, se temos consciência e orgulho de sermos quem somos. Mas a consciência passa pelo reconhecimento de que há imoralidades profundas, crimes monstruosos, em nossa tradição "sulista", imoralidades de ordem política, antropológica, tradicional, que precisam ser extirpadas. O tratamento inferior concedido às mulheres é, apenas, um deles. Mas igualmente nefasto é um biblicismo de cabresto, máquina da manutenção da irracionalidade espiritual que grassa em nosso meio, e que permite aos loucos de plantão manipularem com toda a facilidade nosso rebanho.

7. Demoraste, Jimmy - e muito! Mas antes tarde do que nunca.


Realmente Osvaldo, é triste notarmos nosso atrelamento que em muito excede a história com os americanos do Sul. De lá veio coisas que amo, aqui cito o blues (mesmo sendo este o "banzo" dos escravos americanos, mas é puro sentimento). Continuo amando o sentimento que ocasiona mudança de mente e liberdade. A luta do reverendo Luther King deveria excitar como teologia da libertação (teologia negra) como a dose de prozac intravenosa que é. Mas nós, atrelados à ideologia arcaica dos batistas do sul nos escondemos sob a mediocridade da escravidão epistemológica.

Devíamos assumir a necessidade de um zumbi dos palmares em nossas reflexões teológicas, permitir que a liberdade finalmente nos faça cristãos e não cristianizados, permitir que sejamos reclusos em nossos quilombos, onde não há ostentação, mas há sinceridade e verdade. Dos campos de algodão americanos e dos canaviais e cafezais brasileiros vem o sussurro da gera o conhecimento de "ser e assumir ser cristão".

Lembro-me de uma fala de Caio Fábio sobre os "politicamente corretos". Ser "politicamente correto" é assumir a covardia na luta pela liberdade, é ter-se como manipulável, e entender-se sob os olhos tendenciosos de uma liderança malévola, é necessitar ser aceito - mesmo pela contradição de sua própria cognição - apenas no intuito de ser aceito por uma hegemonia.

O que vemos na denuncia de Jimmy Carter é a deturpação das ciências sociais sobre os conceitos emanados da ciência biológica. O que vemos é a continuidade de uma proposição iniciada no fim do século XIX. O que vemos é O "darwinismo social", é buscar dar aparência de ciência à uma conduta deplorável quanto ao ser humano. Foi o estratagema que buscou positivar o colonialismo europeu sobre os africanos, é o que positiva o imperialismo americano sobre o mundo, é o que positiva a descarada usurpação dos pobres pelos ricos, é a deturpação da consciência humana na intenção de aprovar o domínio do forte sobre o fraco. E a igreja institucional atrelada a tudo isso provando sua ligação social transviada, advogando - como sempre - em causa própria. Deplorável.

Jimmy Carter aprendeu, nós aprenderemos?


Thiago Barbosa

Nenhum comentário:

Postar um comentário