A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

domingo, 29 de agosto de 2010

Da desinstitucionalização


" O que motiva a contenda entre vós"

Considerando que a religiosidade é uma das categorias constitutivas do homem, idependendo da "situação" histórica em que se encontra, o homem religioso tende a transformar sua experimentação ( experiência) do sagrado em uma formula ingessada, uma maneira, talvez, de eternizar sua experiência e mantê-la sempre em um nível de fácil acessibilidade. É como se, quando necessário, quando se quer vivenciar o contato"original" com o sagrado, acionasse um dispositivo que já esta posto, fundado, "fundamentado'', uma formula, um conceito fechado no qual revivemos o princípio fundante da relação homem-divino.

O "sagrado selvagem", como denominou Roger Bastide, o "ser sem forma", pois, se toma forma, pode ser compreendidio como objeto e assim conhecido sensivelmente. O sagrado, então, é institucionalizado. E sendo institucionalizado, como afirmou Bastide, perde o seu ardor, sua efervecência, ingessa-se.

Ao meu ver, além da perca do ardor, da efervescência, do calor da experiência, o sagrado torna-se ferramenta política, instrumento de conflito onde a dinâmica da relação homem-divino se transforma em ortodoxia, inflexivel e formal. Sendo assim, cada um ( grupo) obtem/possui o "sagrado verdadeiro" a partir da formulação de conceitos e representações.

Foi assim na patrística. Jesus era deus, era homem, era homem-deus, era deus-homem. Todos, ao experimentar o Cristo, quiseram inclausurar a experiência no conceito. E, daí, surgem as infindáveis concepções do "Cristo verdadeiro", preso nas ortodoxias e ideias conflitantes, tão conflitantes a ponto de se tornarem guerra. Guerra em nome de Cristo!

É, também, por causa desses conflitos que escrevo esse pensamento. Os conflitos derivados de uma "institucionalização do sagrado", da força político-pragmática com que subvertemos a "experiência", esfriamos aquilo que nos é tão pessoal, salpicado de fé, que arde no íntimo e que, praticamente em todas as vezes, não se entende e nem se explica: se vive.

Uma vez respondi a uma capciosa indagação: "Quem é Jesus para você?" Vinda, de certa forma inflamada, de um colega . Perguntava-me isso logo depois de o tê-lo arguido sobre quem seria o Deus dos cristãos. Claro que sua pergunta continha uma postura retórica em função de arrancar-me uma confição doutrinária. E é nesse espírito que todos nós - e aqui me refiro especificamente aos cristãos protestantes brasileiros do século XXI - nos relacionamos. Operamos dentro de uma necessidade de arrancar do outro uma confição que, da melhor forma possível, deve ser conforme a verdade. E para cada caso uma verdade. Quantas vezes agi assim!

Essa ortodoxia, esse zelo pela verdade, transforma-nos também em rivais. Conflitamos porque "entendemos a verdade sobre o sagrado", objetivamos o sagrado de forma que o "encaixamos" dentro da "verdade", da minha, da sua... agora ele é meu, é seu... e então a Igreja se auto-flagela!

Epistemologicamente no mundo moderno, isso tudo seria uma falácia. Correr atrás do vento. Como "informar" Deus? Talvez alguém me responda: a forma de Deus é Cristo. Mas, eu retrucaria: Deus se limitaria a uma forma?( e digo "forma" em uma plataforma filosófica) Ele seria tão objetivo assim? Então, podemos estudá-lo? Óh, Teologia! Tens ai seu objeto! Como saber?

Mas a experiência que brota da fé, aquela que mexe com as estruturas do ser, aquela que toma o símbolo como "ferramenta" do experimento, que conduz a mais profunda satisfação humana, dessa, nos esquecemos. Abandonamos o "espírito protestante" que condena toda e qualquer forma de totalitarismo, seja secular ou religioso. Esquecemos da experiência mística individual com o sagrado, mesmo que essa se "utilize" das muitas "verdade" disponíveis.

A fé que Paulo, o apóstolo, tanto defendeu, a fé pela qual se vive e pela qual se "justifica" no mundo, pela qual interligamo-nos com o sagrado, seja , talvez, a essência. A oração, linguagem mágica tão antiga e tão recomendade pelo mesmo apóstolo, como via e canal da dissolvência da relação sujeito-objeto numa relação mística onde não se deve ( ou não se deveria) subsistir qualquer forma icônica, seria , talvez, a boa prática.

Creio que de alguma maneira, deveriamos mergulhar nesse mar de mistério e experimentá-lo. E, como afirma Tillich, numa dinâmica de "mútua interpenetração do infinito e do finito" desconsiderarmos toda guerra entre nós na compreenssão de que o sagrado não cabe no bolso e muito menos em uma caixa.


Jonathan

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Uma ecologia espiritual

Apenas apresento o texto de Marcelo Gleiser. Grandioso, pertubardor, Teológico.

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Uma ecologia espiritual

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O respeito à vida como verdade universal leva a um estado em que agimos como os guardiões dela


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ESTÁ NA HORA de irmos em frente e deixar para trás o desgastado embate entre a ciência e a religião, que já não rende nada. É preciso encontrarmos um novo rumo, ir além da polarização linear que vem caracterizando as discussões do papel da fé e da razão na vida das pessoas por mais de cem anos. A ciência não se propõe a roubar Deus das pessoas, e nem toda prática religiosa é anticientífica. Existe uma outra dimensão a ser explorada, ortogonal a esse eixo em torno do qual giram os argumentos mais comuns.
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Um caminho possível é explorar valores morais de caráter universal que desafiem a linearidade do cabo de guerra entre a ciência e a religião.
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Bem sei que, para muita gente, a proposta de encontrar valores morais universais representa já um beco sem saída. Relativistas culturais, por exemplo, argumentarão que esses valores universais não existem, que o que é certo para um pode ser errado para outro. Por exemplo, culturas nas quais a poligamia é aceita.
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Para encontrar valores morais universais, precisamos ir mais fundo. Não podem ser valores que variem de cultura para cultura ou em épocas diferentes, como a ideia do casamento. Sugiro que o valor mais efetivo que podemos explorar vem da única certeza universal que temos: a morte.
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A morte não é recebida com prazer em nenhuma cultura. Claro, alguns veem a morte como uma transição para uma nova vida, ou um mero aspecto de uma existência sem fim. Outros podem até vê-la como um ato heroico de martírio. Mas, tirando fundamentalistas radicais, ninguém em boa saúde física e mental escolhe morrer. Portanto, de todos os valores morais que podemos imaginar, proponho que o mais universal seja a preservação da vida.
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Não me refiro apenas à vida humana. Quando percebemos o quanto nossas vidas dependem do planeta que habitamos, damos-nos conta de que precisamos agir para preservar todas as formas de vida. É óbvio que temos que garantir nossa existência, e que isso requer que consumamos alimentos. Mas esse consumo não precisa ser predatório. Pode ser planejado para que mantenha um equilíbrio saudável entre o que é produzido e o que é consumido.
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Quanto mais saudável o planeta, mais saudável a economia. Isso pode não ser óbvio a curto prazo, mas em intervalos de décadas é. Este é o século em que finalmente iremos entender que precisamos estabelecer uma relação simbiótica com a Terra. Talvez essa seja a lição mais importante que a ciência moderna tem a ensinar.
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O respeito à vida como moral universal leva a uma ecologia espiritual na qual nós, como espécie dominante do planeta, agimos como guardiões da vida. Com isso, a dimensão espiritual que nos é tão importante ganha expressão na devoção ao planeta e às suas formas de vida.
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Esse senso de conexão espiritual com a natureza é celebrado tanto na ciência quanto na religião. De Einstein a Santa Teresa de Ávila (grato a Frei Betto, por me chamar atenção para esta obra), o mundo é festejado como sacro. As palavras variam, mesmo a motivação pode variar; mas, em sua essência, a mensagem é a mesma. Acho difícil encontrar uma moral universal mais básica do que o respeito à vida e ao planeta que a abriga de forma tão generosa. Ao menos, é um começo.
http://marcelogleiser.blogspot.com/2010/08/uma-ecologia-espiritual.html

Thiago Barbosa

sábado, 14 de agosto de 2010

idéias exclusivas no "pós-vida"

O que aconntece quando nos esquecemos de pensar na ação imediata do cristianismo junto ao homem e a sociedade em que vivemos e lembramos apenas do que há de ser no paraíso?

Confesso que, buscando o céu, esquecemos o hoje, o agora, o imediato e, junto com a ação do "Cristo" no agora, pensamos nas dádivas de um paraíso que ainda há de vir.

Assim, a missão que realizamos deve ser repensada, para o hoje, o agora, e na esperança de que a própria terra anuncie a parousia do Cristo. Sejamos pioneiros na missão para o homem, pois, pensando no paraíso, nos esquecemos que a mensagem é para a humanidade. Isto serve para cristãos, ou não. Que possamos trazer missões para o homem e, assim, apresentar esperança para um futuro próximo.




Thiago Barbosa

teologia da prosperidade - Programa "A vida é uma caixinha de surpresas".

Algum tempo atrás questionei um dos professores do STBSB pelo motivo que a literatura teológica voltada para a pastoral era tão mal divulgada. A resposta foi que era a melhor divulgada.

Meu pensamento continuou, afinal não havia títulos - ao menos em quantidade considerável - junto às prateleiras direcionadas à teologia. Um dia, procurando com a vendedora, ela me mostrou uma enormidade de títulos, todos nas partes voltadas para AUTO-AJUDA.

Essa tem sido uma péssima constatação, o discurso pastoral tem sido voltado totalmente para a temática da AUTO-AJUDA. Talvez devéssemos repensar os discursos dos púlpitos, o discurso da prosperidade, o discurso do positivismo e demonização da dor, do sofrimento, da penúria. Talvez seja urgente voltarmos a atenção ao livro de Jó, e repensar as condutas de dor e sofrimento do povo que renasce nas necessidades existenciais mais profundas do povo latino-americano.

Para os teólogos da AUTO-AJUDA, resolvam o problema de Joseph Klimber, aí sim, poderemos dialogar.





Thiago Barbosa

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

SIBAPANET 4 - minha participação

Este é um projeto idealizado na Segunda Igreja Batista em Palmas. Um projeto que busca apresentar os pensamentos de uma comunidade de fé sobre os assuntos que assolam e circulam por toda a sociedade. Essa é uma boa tentativa de apresentar uma comunidade religiosa que não se esconde entre suas paredes e não se aliena, porém antes, propõe o diálogo com a cidade que a cerca e apresenta o pensamento eclesiástico aqueles que estão fora de seus limítes físicos.

É um projeto distribuído em 70 diferentes pontos da cidade, de forma totalmente gratuita. Todos os participantes da parte técnica (diagramadores, formatadores, corretores e colunistas) são voluntários e membros da própria igreja.

Eis uma boa dica para mostrar que o cristianismo não precisa se alienar.

Ps. Claro, na página três está minha pequena contribuição.

Thiago Barbosa

http://www.scribd.com/doc/35116351/sibapa-jsn-4

sibapa_jsn#4

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Resenhando Oscar Cullmann

CULMANN, Oscar – A FORMAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO – Oscar Cullmann, tradução Bertoldo Weber. São Leopoldo – RS, Editora Sinodal, 1979.

Oscar Cullmann nasceu no ano de 1902 em Estrasburgo, estudou teologia e filosofia clássica em Estrasburgo e Paris e, em 1930, foi nomeado, em sua cidade pátria, professor catedrático para o Novo Testamento e a história da Igreja Antiga (1930-1938). A cidade de Basiléia (Suiça) para cuja universidade foi chamado em 1938, tornou-se sua pátria adotiva. Simultaneamente exerce um tríplice múnus em Paris: é diretor da secção para cristianismo primitivo na Ecole pratique dês Hautes Etudes (desde 1949), professor catedrático na Faculdade de Teologia protestante (desde 1953) é docente na Sorbonne (desde 1953). Além diso atendeu a frequentes convites para preleções e conferências nos Estados Unidos da América e em Roma. È um dos mais conhecidos e importantes especialistas do Novo Testamento de nossa época. Em especial, é um dos pioneiros do diálogo ecumênico, que granjeou muitos amigos também entre católicos. Sinal disso é ter ele participado como observador no Concílio Vaticano II (1962-1965), na qualidade de hóspede pessoal do Vaticano, e ter sido nomeado como teólogo protestante membro do Comitê fundador novo Instituto ecumênico acadêmico em Jerusalém.

Na primeira parte da obra há a intenção de apresentar a história do texto que forma o Novo Testamento. Cerca de trezentos anos separam a redação original do NT e do texto conservado como o conhecemos. O NT, desde que foi reconhecido como Sagrada Escritura, foi recopiado com a minuciosidade escrupulosa que inspira o respeito das coisas sagradas. Os manuscritos são papiros ou pergaminhos. Os papiros do NT datam do século III, trazendo textos do NT com data aproximada do século IV, todos escritos em grego koiné; apresentam variantes entre si. Resultantes de erros involuntários, por falhas do copista, ou ainda no intento de harmonizar textos paralelos ou reduzir as divergências. Assim acontece que o novo texto às vezes se torna mais obscuro que o texto original. Quanto ás datações ocorre datações referentes ao século II. Feitas com base em pergaminhos hoje perdidos e mais antigos que os supracitados. Portanto, são cronologicamente mais próximos do original. As traduções siríacas devem seu interesse excepcional não somente a sua idade antiga, mas ao fato que o siríaco é uma língua próxima do aramaico palestinense usado por Jesus e os que o cercavam. As citações formam um terceiro grupo de documentos do texto do NT que se acham esparsas nos escritos dos pais da igreja. Raras no século II, seu número vai crescendo, desde que o NT, reconhecido como Escritura Sagrada, impôs uma autoridade absoluta. Três são os textos que são apresentados como documentos de base: O texto siríaco; o texto ocidental (também conhecido como siro-latinos); e texto neutro (representa o códice VATICANUS E SINAITICUS). Sobre o texto impresso é apresentada a iniciativa do Cardeal Ximenes, criador da Bíblia COMPLUTENSIS (1520). P humanista Erasmo fora solicitado desde 1515, pelo tipógrafo de Basiléia, para preparar a publicação de um texto grego do NT. É preciso ir até o começo do século XX para ver aparecer edições que aplicam um método critico, o qual preste conta da história do texto e das relações das diversas famílias de manuscritos entre si. (p.7-18)

Sobre os escritos do NT podemos notar que diversos dos 27 textos escritos podem ser datados apenas de maneira incerta. O termo grego Euaggélion, que se traduz por “evangelho”, significava a recompensa dada a um mensageiro por sua mensagem; ou no plural, as ofertas de ações de graça aos deuses por uma boa nova. Há quatro evangelhos, e sua pluralidade cria um duplo problema; o de ordem teológica, onde há quatro testemunhos sobre os mesmos fatos – sendo os três primeiros relativamente verossímeis (sinóticos) e o quarto díspar deste contexto (João). Todos os evangelistas, na realidade, somente tinham à sua disposição narrações e palavras isoladas de Jesus que foram transmitidas pela tradição oral; ele podia, portanto, estabelecer o plano que queria. É preciso admitir, por conseguinte, uma dependência mútua destes três textos. O autor apresenta cinco hipóteses usadas na análise da composição dos textos dos evangelhos: 1) hipótese da utilização recíproca – os três sinóticos utilizaram-se reciprocamente e, fazendo-o assim, introduziram modificações; 2) hipótese do evangelho primitivo – os três sinóticos remontariam a uma fonte comum de origem aramaica, que não possuímos mais, e cada um dos três redatores teria usado essa fonte à sua maneira; 3) hipótese dos fragmentos – atribui aos evangelhos uma pré-história escrita, primeiramente composta por pequenos pedaços, cada um dos evangelistas teria, mais tarde, combinado, à sua maneira, estes diversos elementos; 4) hipótese da tradição oral – cedo já teria se fixado a tradição oral, e os evangelistas se teriam limitado a haurir nesta tradição comum; 5) hipótese das duas fontes – combina a hipótese da utilização recíproca e a do evangelho primitivo perdido, Mateus e Lucas teriam utilizado independentemente de Marcos, que seria, portanto, o mais antigo dos três, e uma fonte comum, hoje perdida. O evangelho de Mateus é muito sistemático e sua redação muito bem elaborada e se esforça em mostrar que Jesus não veio rejeitar o AT, mas levá-lo a seu objetivo, seu cumprimento. Esta insistência sobre o AT faz eco à discussão áspera na qual, sobretudo durante o primeiro século, se afrontam o judaísmo e o cristianismo de origem judaica; seu autor é judeu convertido ao cristianismo, vive dentro de uma comunidade judaico-cristã que se esforça em romper os laços que a amarravam ao judaísmo, conservando, todavia a continuidade com o AT. Foi redigido, possivelmente, por volta de 80. Tradicionalmente é atribuído a Mateus, o publicano – sua mensagem aponta que o reino já está inaugurado pela vinda de Jesus Cristo, mas ainda não é plenamente manifesto como o será por ocasião de seu advento no fim dos tempos. Sobre o segundo evangelho, tudo leva a crer que Marcos é o mais antigo dos quatro textos. Pode-se objetar que Mateus e Lucas talvez não tivessem usado esse evangelho como o fizeram, se não o tivessem conhecido como realmente fundamentado sobre o ensinamento de um apóstolo. O autor possivelmente foi testemunha ocular dos fatos descritos, sendo o autor judeu de origem, sendo datado em 70 aproximadamente. O evangelho é caracterizado pelo segredo messiânico de Jesus, característica do segundo evangelho, não sendo necessariamente uma invenção do evangelista, mas podendo perfeitamente porvir de uma lembrança exata da tradição oral, lembrança à qual Marcos deu uma importância particular. Assim o segundo evangelho é centrado na pessoa de Jesus e não nos ensinamentos oriundos dos seus ensinamentos. O evangelho de Lucas trata-se, seguramente, de uma obra nascida da fé de uma comunidade e fundada sobre uma tradição. O autor usa como fontes de apoio o evangelho de Marcos, as testemunhas oculares e a tradição oral das pregações apostólicas. Seu autor é um intelectual metódico de linguagem relativamente pura e gentílico-cristão – e suas idéias denotam um interesse particular pelos gentios. Serviu-se do evangelho de Marcos e trata-se possivelmente de Lucas, companheiro de Paulo, contemporâneo de Mateus. Lucas olha a vida de Jesus retrospectivamente, não somente como historiador que deseja retraçar os eventos passados em sua ordem cronológica, mas como crente que sabe que a ressurreição de Cristo dá a tudo que precede o seu entendimento verdadeiro. Assim, Lucas torna-se o evangelho dos pobres e insiste sobre o universalismo do evangelho. O evangelho joanino diverge dos sinóticos, não somente pelo quadro cronológico e o plano geográfico que dá à narração da vida de Jesus, mas, sobretudo por perspectivas teológicas diferentes. Seu desígnio é por em evidência a identidade entre o Jesus histórico e o Cristo presente em sua igreja. Os eventos relatados não são símbolos, mas realidades; o plano cronológico do evangelho joanino, mais amplo que o dos sinóticos, poderia ser também mais exato. Composto posteriormente aos anos de 90-95, traz a marca de uma dupla influência (helenística e judaica) – ao lado do judaísmo oficial da Palestina não deve ser esquecida a existência de um outro tipo de judaísmo (esotérico) testemunhado na Palestina e na Síria. O evangelho joanino representa, claramente, a perspectiva helenística. Assim, a presença da glória divina não é mais ligada ao templo, mas à pessoa do Cristo morto e ressuscitado; torna-se assim o evangelho do amor. Há diversas tradições remontando a autoria do quarto evangelho: a)tradição clássica onde o autor é João, filho de Zebedeu; b) tradição crítica onde o autor é João, o presbítero (distinto de João, filho de Zebedeu); c) tradição do discípulo amado (com possibilidade de ser o “discípulos amado” Lázaro, o ressurreto). A tradição da autoria advinda da comunidade joanina não é trabalhada pelo autor. O conteúdo de Atos dos Apóstolos não corresponde a seu título, pois não se trata de todos os apóstolos, mas, antes a história da difusão do evangelho, de Jerusalém até Roma. Assim, assemelha-se a possibilidade de que seja uma continuação do evangelho de Lucas, sendo assim tomos de uma mesma obra. Vários relatos do texto de Atos são expostos nos relatos paulinos com várias divergências, o que nos leva a pensar que o autor não conhecia os textos paulinos. O texto foi redigido entre os anos 80-90. (p. 19-49)

O autor aborda os textos formadores do corpus paulino na ordem cronológica, e não na ordem canônica. Assim, Paulo se converte em 32, e a primeira epístola aos tessalonicenses é escrita no ano 50, sendo a primeira a ser redigida. Paulo Chega a tessalônica, em sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silas e Timóteo; pregam na sinagoga da cidade e ali convertem alguns judeus e, sobretudo, gentios ligados ao judaísmo, sem, porém, se terem submetido a suas leis rituais; Paulo enviou de Atenas seu discípulo Timóteo para se informar sobre a comunidade de Tessalônica, e que Timóteo comunica a Paulo, juntamente com as boas novas, uma série de questões doutrinárias que se põem aos membros desta igreja, a propósito da escatologia. A autenticidade paulina é contestada a partir do século XIX pelos exegetas hegelianos que apontavam para uma escrita posterior à morte de Paulo, porém o fato de se discutir em Tessalônica problemas escatológicos que pressupõe a espera de um fim iminente, indica uma situação correspondente aos tempos primários da igreja, corroborando com a autoria paulina. Na segunda epístola aos tessalonicenses, a igreja continua debatendo escatologia, corroborando com a idéia de sua escrita se dar ainda no ano 50, porem sua autoria é contestada: a) o conteúdo teológico das duas epístolas é contraditório; b) ocorrem repetições da primeira; assim nasce a possibilidade de um cristão descontente com I tessalonicenses, redige II tessalonicenses após a morte de Paulo, e tenta substituir uma pela outra; porém as idéias centrais são complementares e a segunda carta tenta rever possíveis desentendimentos criados pela carta I, corroborando ainda com a autoria paulina. A epístola de Gálatas representou, por seu lado dogmático, um papel particular nos períodos de combate da história da igreja (século XVI). O pensamento paulino ainda se acha em sua fase de elaboração, origina-se dos ataques oriundos dos cristãos judaizantes contrários a Paulo que insiste sobre o fato de que ele recebeu seu evangelho diretamente de Cristo, sem o intermédio de uma transmissão humana; assim, essa epístola foi redigida após a segunda passagem de Paulo pela Galácia do Norte, no percurso da terceira viagem missionária, durante os anos de 52-53, em Éfeso. Observando a cidade de Corinto, todos os cultos e todas as filosofias do tempo encontravam-se ali, também era uma cidade onde sucediam desordens de toda espécie e que tinha uma reputação de libertinagem e de devassidão; Paulo enviou quatro cartas a esta igreja, porém duas estão perdidas até os dias de hoje; a igreja de corinto é composta por uma maioria de gentílico-cristãos e de uma minoria de judaico-cristãos, fato que nos leva a uma certa diversidade e até divisões no seio da comunidade; havendo quatro partidos: a) o partido de Paulo – composto dos primeiros cristãos da igreja; b) o partido de Apolo – agrupava-se em torno dos ensinamentos de Apolo (judeu de Alexandria, membro da seita de João Batista, bom pregador e forte em conhecimentos bíblicos); c) o partido de Pedro – agrupava os judaico-cristãos vindos da Palestina; d) o partido de Crispo – chefe da sinagoga, convertido por Paulo. O apóstolo escreve a carta para tentar restabelecer a unidade da igreja, trata sobre as questões sexuais, casamento, liberdade cristã, direitos dos ministros do evangelho, liturgia e eucaristia, dons do Espírito Santo e ressurreição. Foi redigida de Éfeso, na primavera de 55. A segunda epístola aos Coríntios é a mais pessoal das cartas do apóstolo, que no decurso de sua última estada, foi insultado pessoal e gravemente por um membro da comunidade e exige que este seja punido; enviou Tito a Corinto e este acalmou os espíritos e restabeleceu a unidade; organiza-se, para a comunidade em Jerusalém, a coleta de bens como simbolismo da unidade da igreja. A epístola aos romanos assemelha-se muito mais a um tratado teológico que a uma carta, seu pensamento aprimorou-se na polêmica e nas experiências que conheceu em toda a parte pretendendo fazer de Roma a base de partida da evangelização no Ocidente; Paulo encontrava-se em Corinto, desfrutando de calma e não mantendo relações diretas com os cristãos de Roma – grande colônia judaica onde se desenvolve a fé cristã -, onde os gentios confundiriam ainda por muito tempo os judeus e os cristãos. Posterior ao édito de Cláudio, os judaico-cristãos tiveram que deixar Roma, ficando somente a comunidade gentílico-cristã; a readaptação desses últimos em uma igreja pôde criar uma contrariedade e atrito aos quais talvez façam discretamente alusão o texto aos romanos e que o apóstolo reforça a evidência do papel de Israel na história da salvação. Possivelmente foi escrita antes da páscoa do ano 56, sendo a autenticidade paulina aceita sem contestação. (p.50-67)

Inicia-se a apresentação das “epístolas do cativeiro” com o texto aos filipenses. Sua redação, seguindo a hipótese clássica, se dá em Roma, onde o apóstolo encontra-se em “prisão domiciliar”; busca abordar atritos entre judaico-cristãos e gentílico-cristãos, com datação aproximada entre os anos de 59-60; esta é uma comunidade particularmente cara ao apóstolo que, sob o ponto de vista teológico, oferece um resumo magnífico da doutrina concernente à pessoa de Jesus Cristo, é possível que haja aí um dos primeiros hinos litúrgicos da comunidade cristã primitiva. A epístola a Filemom é um bilhete inteiramente pessoal que Paulo endereça a certo Filemom; Onésimo se tornou cristão e Paulo desejaria muito guardá-lo junto a si, mas não quer fazer nada sem permissão de Filemom; exortando a perdoar Onésimo pela fuga e o furto, bem como encará-lo como irmão na fé, não mais como escravo; a proposta teológica expõe uma doutrina dos deveres dos escravos para com seus senhores, provavelmente seu cativeiro se trata do último que o apóstolo sofre em Roma, já no fim de sua vida; datando-se o texto no ano de 59, aproximadamente. Na epístola aos colossenses há a evidência relacional entre a história da salvação em Cristo e a criação inteira; assim, sua redação se dá ao mesmo tempo em que a epístola de Filemom, ou seja, no ano de 59, aproximadamente. A igreja de Colossos é fundada por Epafras, da mesma forma que Laodicéia, e o apóstolo Paulo recomenda a permuta das cartas entre ambas as igrejas. Epafras traz ao apóstolo, boas novas da comunidade de Colossos, onde reinam a fé e o amor; porém ali há uma heresia que intenciona fundir o evangelho com uma especulação filosófica, sendo propagada por um grupo judaico-cristão, sendo exortada a manterem-se firmes na fé. Esta carta é contestada quanto à autoria paulina: a) por combater o gnosticismo, que teria surgido apenas no século II; b) a doutrina de Cristo, desenvolvida na epístola, é singular às outras de outros textos; c) o vocabulário e estilo seriam diferentes dos usuais; d) há um curioso parentesco com a epístola aos efésios; mesmo assim, Oscar Cullmann aponta a autoria paulina dissertando sobre outros argumentos que corroboram com esta afirmação. A doutrina centra da epístola aos Efésios é eclesiológica, porém é comumente apontada como epístola aos Laodicenses, que durante as inúmeras leituras nas igrejas primitivas teve seu destinatário eliminado. Possivelmente Tiquico tenha sido o portador das duas cartas (colossos e laodicéia) pois eram cidades vizinhas, e o destinatário real (Laodicéia) teria sido excluído por uma falsa conclusão retirada do apocalipse de João; assim, a autenticidade paulina é fortemente contestada. Assim sendo, se a epístola é de Paulo, ela provavelmente foi destinada à igreja de Laodicéia, na mesma época quando foi escrita a epístola aos Colossenses, quer dizer, no ano de 59, sofrendo modificações posteriores. (p. 68-78)

As epístolas pastorais são três: primeira epístola a Timóteo, segunda epístola a Timóteo e epístola a Tito; são escritos de disciplina eclesiástica, preocupando-se com a situação espiritual e material da igreja. A autenticidade paulina é muito incerta; a primeira epístola a Timóteo falava-nos de heresias e esses heréticos parecem ser judaico-cristãos, falsamente presos à lei judaica, sendo o único ponto comum a paixão do grupo judaico-cristão pelo gnosticismo, a união com a segunda epístola a Timóteo. Timóteo é natural de Listra, na Ásia menor, filho de uma judia e um grego, seu nome figura entre seis cartas como o de um co-expedidor. Tito é um personagem desconhecido do livro dos Atos, foi para o apóstolo, não somente um colaborador devotado, mas um amigo caro. Sobre a autoria e harmonização dos textos, ou as epístolas pastorais são inautênticas e o autor forjou o plano cronológico delas ao mesmo tempo em que o conteúdo doutrinal, ou elas são autênticas e então deve ser possível situá-las em um período da vida de Paulo. É, portanto, muito difícil situar no decurso da vida de Paulo os eventos pressupostos por estes escritos; teríamos, pois, a ordem seguinte: epístola a Tito, primeira epístola a Timóteo e segunda epístola a Timóteo. Somente pelo fim do século II encontramos a primeira atestação dos textos, no cânone Muratori; as pastorais objetaram-se enfim e acima de tudo refletem uma organização eclesiástica na qual se encontram todos os elementos do episcopado monárquico tal qual se desenvolveria no catolicismo. Mesmo se as instruções dadas às igrejas e a seus chefes nas epístolas pastorais não provém do tempo de Paulo, elas não obstante, podem ser consideradas como uma aplicação do ensinamento paulino à situação necessariamente modificada das igrejas no começo do segundo século. (p. 79-84)

Sobre a epístola aos hebreus, não pretende, nem pelo título que lhe deu a tradição antiga, nem em passagem alguma ter sido Paulo o seu autor. Trata-se de uma exposição doutrinal ou de uma prédica cujo tema central é o sacerdócio de Cristo, tratando pois: a) a superioridade de Jesus Cristo, filho de Deus; b) superioridade do sacerdócio de Cristo; c) a superioridade do santuário celeste; d) a superioridade do sacrifício único de Cristo. O título aos hebreus aparece somente a partir da segunda metade do século II, os destinatários parecem ser judaico-cristãos exilados na Itália. Data entre os anos de 80-96. Quanto à autoria: 1) Tertuliano aponta a Barnabé; 2) Lutero pensava em Apolo de Alexandria; 3) Áquila; 4) Priscila, Lucas, Clemente Romano, Silas... Não há um consenso sobre a autoria do texto, porém sabe-se que é um cristão estudado de origem judaica que não somente domina melhor a língua grega que os outros autores do NT, mas ainda assimilou a fundo a cultura grega. Teologicamente a epístola aos hebreus parece pertencer ao mesmo tipo de cristianismo primitivo como o evangelho e as cartas joaninas. (p.84-88)

A denominação de Epístolas católicas surge apenas no século III e engloba sob este título sete obras: epístola de Tiago, primeira e segunda epístolas de Pedro, primeira, segunda e terceira epístolas de João e a epístola de Judas. Normalmente compreende como exprimindo a destinação universal das cartas. Pode-se, todavia, admitir que essas duas últimas cartas foram acrescentadas ao grupo como simples apêndices. Mesmo quando seus destinatários são igrejas locais ou particulares, são dirigidas, na realidade, a todos os crentes. Neste sentido esses 27 livros são Escritura Sagrada e princípio para a vida dos crentes. Sobre a epístola de Tiago, certos críticos supuseram que aqui estávamos diante de um escrito judaico de ensinamento moral, composto durante a primeira metade do século I, no ambiente da sinagoga helenística. Para Arnold Meyer não seria Tiago, o irmão de Jesus, o autor do texto como quer a tradição antiga, mas seria Jacó, o patriarca do AT, dirigindo exortações aos seus 12 filhos, representados agora pelas 12 tribos judaicas dispersas. Em todo caso, o autor é provavelmente judaico-cristão e, seus principais apontamentos se dão na tradução da fé, que são as obras, não fazendo alusão alguma a eventos históricos e não podendo ser, com segurança, atribuído a um autor preciso, é também impossível datar esse escrito; tem um valor teológico incontestável, sobretudo pela preocupação real com os pobres. Com o fim do mundo iminente, a primeira epístola de Pedro apresenta-se como uma exortação á esperança; à santidade; à boa conduta; é endereçada aos eleitos, designando os judaico-cristãos fora da Palestina, os judeus convertidos do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e da Bitínia. A autenticidade petrina é contestada por: a) o vocabulário é muito rico para um pescador; b) realça-se a ausência de recordações pessoais com relação a Jesus; c) constata-se uma grande afinidade com a teologia paulina. Há a possibilidade de que Silvano-Silas seja o verdadeiro redator das idéias de Pedro, se ele foi durante longo tempo o colaborador de Paulo, põe aqui sua pena a serviço de Pedro: ele foi demais formado, teologicamente, por Paulo, para quem aqui e acolá, não sobressaíssem idéias e formas de estilo paulinas. Claro que é também um erro em opor a teologia de Pedro àquela de Paulo, pois as duas perspectivas seriam mais próximas que geralmente se afirma. Assim o tema central do escrito é a relação com a cristologia do Servo de Deus, servindo como ponto favorável à autenticidade petrina. Caso a redação não seja petrina, ao menos o conteúdo seria. A segunda epístola de Pedro apenas retoma elementos da epístola de Judas; é uma exortação aos chamados; toma prontamente um tom panfletário e um cunho direto. O autor ataca esta gente, libertinos e ao mesmo tempo propagandistas de falsas doutrinas exprimindo aqui sua indignação. Nesses escritos são repetidas diversas vezes livros do judaísmo e, sobretudo o livro de Enoque. Sua redação se dá antes do ano 90, mas não muito antes. Este autor judaico-cristão poderia ser Judas, irmão de Jesus e de Tiago, mas a data que marcamos para o escrito torna esta identificação difícil. A segunda epístola de Pedro apresenta grande semelhança com a epístola de Judas, tanto a saudação inicial, os textos, por vezes, são tão paralelos, que se poderia escrevê-los sobre duas colunas à maneira dos sinóticos; o assunto é a polêmica contra os falsos doutores, encontramos aí mais uma correlação entre os dois escritos. A citação de apócrifos do AT que abundavam na epistola de Judas desapareceram na segunda de Pedro, talvez seja pela exclusão dos apócrifos pela assembléia rabínica de Jamnia. A segunda epístola de Pedro foi escrita após 90, por conseguinte é possível que ela tenha por autor Pedro, que, segundo Roma, teria morrido entre 64-67. O autor lembra que conheceu Jesus, mas esta insistência em fazer lembrar recordações pessoais é muito suspeita, portanto a segunda de Pedro encontra-se no ano de 150, sendo o autor da Ásia menor que quer advertir seus irmão contra o gnosticismo, é portanto o último texto do NT a ser redigido, tem um valor teológico na manutenção da esperança cristã, a despeito do retardamento da “parousia”. Sobre a primeira epístola de João, o autor não revela seu nome, mas é sem dúvida o mesmo do quarto evangelho; seus apontamentos são: a) Deus é luz; b) Jesus Cristo obtem o perdão dos pecados do mundo inteiro; c) Deus é amor; d) os cristãos são chamados a amarem uns aos outros. O autor indica aos seus destinatários um critério para julgar a heresia desta gente. A segunda epístola de João retoma brevemente o tema do amor fraternal e a advertência contra os heréticos da primeira. A terceira epístola de João é um simples bilhete pessoal do presbítero ao amado Gaio; a maioria dos críticos pensa que estas espístolas são do mesmo autor e que, se ele não é o autor do quarto evangelho, pertence ao mesmo ambiente espiritual. (p. 88-108)

O apocalipse é o livro que encerra a Bíblia cristã, significa revelação. Os apocalipses eram um gênero literário tradicional no judaísmo, serve-se porém, sobretudo de elementos litúrgicos do culto da igreja primitiva para descrever os eventos por virem, que se passarão na esfera celeste. O autor pensa no império romano de seu tempo e é, mais precisamente, na perseguição da igreja sob Domiciano que deu uma difusão particular ao culto imperial; o apocalipse joanino é caracterizado pelo conceito cristão do tempo, segundo o qual o centro da história divina já está atingido por antecipação em Jesus Cristo. O autor não pertence a um ambiente grego, mas provem da Siria ou Palestina; aparecem analogias nos temas doutrinários, o apocalipse foi escrito pelo fim do reino de Domiciano, em 96. Traz-nos à memória o objetivo de toda essa história da salvação que é o objeto do AT e do NT, também é atual nesse sentido que proclama o alcance cósmico da obra redentora e do reino de Cristo e a esperança de uma nova criação. (p. 108-112)

Quanto à formação canônica do NT, na época em que foram compostos os 27 escritos, eles ainda não eram Escritura Sagrada. É somente em escritos compostos cerca de 140-150, a epístola de Barnabé e a segunda epístola de Clemente, que uma palavra de Jesus é citada na categoria Escritura Sagrada, em meados do segundo século, nossos quatro evangelhos ainda não eram os únicos que exerciam autoridade; pouco a pouco eles foram revestidos de uma autoridade normativa antes dos outros escritos do NT. A primeira citação de uma passagem paulina, considerada como Escritura Sagrada se acha cerca de 150 na epístola de policarpo. Por volta de 170, as primeiras coleções paulinas contam, ora com 10 epístolas, ora com 13; de uma maneira geral, o cânone do NT não se formou, como se poderia supor, por adição, mas por eliminação. A igreja reconheceu que sozinha não podia mais controlar as tradições que pululavam, e então submeteu toda tradição a uma norma superior, a tradição apostólica, fixada em escritos determinados que, só esses, teriam valor canônico. O apóstolo tem, na igreja, uma função única que não se repete mais: ele é testemunha ocular, por conseguinte, somente os escritos tendo por autor um apóstolo ou discípulo de apóstolo, são reputados como garantia da pureza do testemunho cristão. O primeiro cânone foi a obra de Marcião (150) e não admitia nenhuma continuidade entre os dois testamentos. O cânone de Muratori admite dois apocalipses (o de João e o de Pedro – com ressalvas para o segundo). Por volta de 200, o cânone do NT aproxima-se dos nossos. As datas decisivas são, para o Oriente, a 39ª carta pascal de Atanásio, em 367, e para o Ocidente, o Sinodo de Roma de 382 e os concílios africanos de Hipo (393) e de Cartago (397). (p. 112-118)

Os autores do NT consideraram, eles mesmos, como o centro comum de sua fé, essas fórmulas concordam em restringir-se a confessar a fé em Jesus Cristo, enquanto que a fé em Deus é apenas uma função. Mas esse Cristo ressuscitado é o mesmo cuja vida e ministério terrestre contam os evangelhos, é o mesmo Jesus Cristo que prossegue em sua obra na comunidade dos crentes. A teologia das epístolas opõe-se freqüentemente à pregação mais simples de Jesus sobre o reino de Deus. A mensagem central das epístolas que tem por objeto a fé na morte redentora de Cristo por nossos pecados condição primordial de nossa salvação. Toda a ética da igreja primitiva está ligada à exigência evangélica do amor pelo próximo, fundado sobre o amor de Deus por nós, significando, sobretudo, a teologia de todos os livros do NT é comum à espera pelo fim. A união do NT ao AT em uma mesma Bíblia significa por uma parte que se realizou, realiza-se e se realizará um plano divino sobre uma linha histórica particular, escolhida por Deus e que se desenrola, desde as origens até o fim, dentro da história geral. Por nosso nascimento natural fazemos parte da história de nossa família, de nosso povo e do mundo, crer. No NT, significa integrar-se, em virtude de uma decisão da fé, que é um novo nascimento, nesta história particular da salvação cujo apogeu e sentido é Cristo.

As perpectivas apontadas no livro analisado, com pesquisa crítica e confessional (difícil para textos de teologia onde o autor apresenta apenas a perspectiva que mais lhe agrada) tornam a obra de Oscar Cullmann, que aqui é retratada, alicerce para o estudo de perspectivas da formação canônica do NT. O fato de apresentar várias abordagens e estudos hipotéticos para a formação dos textos sagrados torna a leitura didática e elabora uma linha de raciocínio fundamental na construção das metodologias e possibilidades para cada um dos textos da Escritura Sagrada. Assim, a formação do Novo testamento, de Oscar Cullmann, é básico na formação do teólogo, biblista ou ainda curioso das perspectivas históricas que formam a Bíblia. Negativamente consta a data de publicação que, já antiga, falha na apresentação de novas tendências e perspectivas oriundas, principalmente, dos estudos arqueológicos de Jerusalém e dos apontamentos oriundos da teologia bíblica crítica do método histórico-social. Ainda assim, ler esta obra é indispensável, bem como as atualizações possíveis dos pesquisadores recentes.