A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Elucubrações sobre uma comunidade fenomenológica? sei lá...

Há alguns dias fomos provocados pela professora Celeste (professora de metodologia da FABAT) no intuito de construirmos uma citação direta longa e uma citação direta curta, ambas sob o auxílio de um pequeno fragmento de texto escrito pelo professor Carlos Alberto Pires. Scheleiermacher foi o filósofo abordado nesse pequeno fragmento e nessas linhas insiro na íntegra o produto dessa meditação bêbada, por ter se deleitado nas leveduras européias, de Scheleiermacher, Bonhoeffer e Kierkegaard.


O produto dá-se na tentativa de propor uma releitura das comunidades eclesiásticas, com um enfoque voltado para a teologia como fenomenologia. Ainda é muitíssimo pessoal e ocasionalmente pode provocar calafrios por indigestão. Afinal, destituir-se dos símbolos pode guiar-nos, ao menos temporariamente, por trilhas metafóricas de uma teologia perigosa para com o público – que pode eventualmente "ser/estar" enganado – mas ainda sim, isto é teologia. Aliás, tudo "nessa virtualidade bloggeana" é elucubração teológica, seja ontologia, seja metáfora, seja fenomenologia, tudo é elucubração. Mas toda a vida não é fermentação cognitiva? Não somos produtos levedados de um cogito/computo – computo/cogito?


A viagem – ao menos epistemológica – guia a outros mundos, aqueles mundos que só o inconsciente conhece. Mas eventualmente portais intergalácticos são abertos e o inconsciente se mostra. Aceita o convite? Todos a bordo?




Elabore um tema de monografia que você usando o texto de Scheleiermacher, crie uma citação direta curta e uma citação direta longa.

Tema: “CRISTIANISMO ARRELIGIOSO – o Cristo da subjetividade”.

a) Citação direta curta

O homem que se encontra adulto – sendo homem adulto aquele que se dispõe a viver alheio aos dogmas religiosos institucionais, bem como da epistemologia e da consciência religiosa – mas ainda assim apreende a relação com o divino como construtiva e libertadora, este homem “identificando-se com a revelação divina com a religiosidade que brota na intimidade da subjetividade do ser humano, que Scheleiemacher chama de sentimento”, encontra-se com a pessoalidade das intenções religiosas assenhorando-se do sentimento “Scheleiemacherriano” e da consciência crítica vigente na pós-modernidade. (PIRES, 2009 p.2)

b) Citação direta longa

Os preceitos formadores dos ideais da subjetividade e consciência são discutidos com entusiasmo por filósofos e teólogos na utópica intenção de conceituar termos e pensamentos que, em essência, mostram-se intangíveis, porém, permitem o fundamento formador da esperança na fé – sob a intencionalidade do desespero proposta por Kierkegaard - e da humanidade de Jesus, conceitos que aproximam e permeiam os pensamentos do cristianismo arreligioso ao homem adulto, bem como a obrigatoriedade do uso padrão de Jesus Cristo em sua humanidade – sob as ações morais e éticas da humanidade arreligiosa – ou ainda a ação subconsciente do Espírito Santo como consciência norteadora a padrões desfocados de ética e moral.

Se Scheleiemacher vincula a revelação à consciência religiosa individual, à subjetividade, para Hegel a revelação (e a encarnação – salvação) coincide com o processo evolutivo da história humana em sua globalidade. O histórico é a prolongação do devir de Deus que, introduzindo-se na história como Trindade, projeta-se em si mesmo na evolução gradual da humanidade, conduzindo-a desde um estado natural primitivo a uma plenitude da racionalidade e da liberdade. Neste dinamismo, Jesus se constitui em um ponto focal e central: Jesus é o ponto de inflexão onde Deus se faz presente e sai ao máximo para fora do seu mistério divino encarnando-se no Cristo. Desta forma, Jesus foi o giro, o passo da divina natureza à história, em que a auto-revelação inicial de Deus Pai na criação dará passagem a uma nova etapa: o amadurecimento moral e espiritual da humanidade de Deus. Entretanto, tão pouco cabe falar aqui de Jesus como plenitude dos tempos, se não como um momento central, da auto-comunicação de Deus, como realização do homem figurada no Cristo. Por isto Jesus tem que morrer para desaparecer e dar início à era do Espírito, quando alcançará sua plenitude e auto-realização divina e o progresso humano (e com ele a suprema revelação e salvação) que coincidem com a religião universal da razão. (PIRES, 2009 p.2)



Thiago Barbosa

se querem profecia, hei-a... (clique sobre a imagem para visualizar)


Thiago Barbosa

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Uma dose de veneno


Na tentativa constante de ser Anjo e, no máximo, conseguir ser Homem, cansei-me. Cansei-me de tentar ser Anjo e resolvi nessa direção: a direção em que me torno Homem. Homem bem terreno, mais, impossível.
Que o diga Zaratustra:

" O meu Eu ensinou-me um novo orgulho, que eu ensino aos homens: não ocultar a cabeça nas nuvens celestes, mas levá-la descoberta; sustentar erguida uma cabeça terrestre que creia no sentido da terra."

Talvez me falte coragem para beber toda essa bebida,a pesar de me embreagar com os olhos...

Jonathan

Um bilhetinho para Castro Alves

Sabe caro literato, venho por meio destas desengonçadas palavras, que aqui se amontoam aos borbotões, citar-lhe, e, nesta distorcida citação das palavras que por ti foram ditas, invocar a liberdade que de ti emanou sob sussurros caudalosos de poeta. O chicote que serpenteou nos lombos negros dos de "além mar" agora serpenteiam nas mentes dos libertos.



A liberdade agora se espreme entre as permissões senhoris dos regentes capitães do mato das nossas comunidades. Nossas comunidades que se orgulham da liberdade, se um dia existiu nelas liberdade verossímil, agora recolhem a famigerada liberdade, à liberdade de quem diz, e não mais liberdade pura, por ser dita.



O grito hoje não é só pelos negros, mas, como esses de outrora e sempre, hoje os sobrepujados são os pensadores. O serpenteio do chicote tolhe os vôos e talham a carne cognitiva. A angústia do primeiro Heidegger, - que isola o mito metafísico sob cortinas intransponíveis – é sobrepujada e oprimida sob a política do segundo Heidegger – amedrontado sob a égide linguagem - , e nem mesmo a escolha temos. Mas há escolha possível a quem viu a liberdade desatrelada do mito divino? Mas ainda existem quilombos, lugares de sossego dos escravos atormentados de consciência? A essência controladora do divino é emanação humana da consciência dos super evoluídos primatas darwinianos.


És tu, consciência humana, divina senhora. Já os outros senhores, que se apresentam com flagelos e grilhões, estes são usurpadores da dor dos que voluntariamente te seguem. Demos com a fronte no chumbo divisor dos mundos tangíveis/intangíveis, e copiosamente os angustiados buscam o impossível, romper a cortina física, ao menos no anseio por paz e refrigério, pois lá só se chega com a chave ontológica que repousa confortável, no bolso fundo e vigilante dos que empunham o chicote.


Castro Alves junte-se a nós. Pois a consciência pede seu preço, por vezes alto em demasia, para míseros curiosos como este que vos escreve.


Que ainda reste esperança, entre as pinceladas do dantesco quadro que se apresenta.



O NAVIO NEGREIRO

TRAGÉDIA NO MAR

1a.

'STAMOS em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — doirada borboleta —
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem?... Onde vai?... Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!...
Embaixo — o mar... em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! Como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! Ó rudes marinheiros
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! Esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia...
Orquestra — é o mar que ruge pela proa,
E o vento que nas cordas assobia...

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu, que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviatã do espaço!
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas...

2a.

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?...
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a noite é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como um golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
Às vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de languor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor.
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente
— Terra de amor e traição —
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos do Tasso
Junto às lavas do Vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou —
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando orgulhoso histórias
De Nelson e de Aboukir.
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir...

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga iônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
... Nautas de todas as plagas!
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu...

3a.

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais, inda mais... não pode o olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador.
Mas que vejo eu ali... que quadro de amarguras!
Que cena funeral!... Que tétricas figuras!
Que cena infame e vil!... Meu Deus! meu Deus! Que horror!

4a.

Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da roda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

5a.

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

Quem são estes desgraçados,
Que não encontram em vós,
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?... Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!

São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...

São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também,
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel.
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael...

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram — crianças lindas,
Viveram — moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus...
...Adeus! ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores... adeus!...

Depois o areal extenso...
Depois o oceano de pó...
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer...

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormindo à toa
Sob as tendas d'amplidão...
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cum'lo de maldade
Nem são livres p'ra... morrer...
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas rôscas da escravidão.
E assim roubados à morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoite... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

6a.

E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!...
...Mas é infâmia de mais... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares

S. Paulo, 18 de abril de 1868.


Thiago Barbosa