Um texto verdadeiramente lindo, representa em sua essência na eterna busca pela "vivência" total e completa de uma teologia que seja só nossa.
Digo que para aquele que se diz "professor" - com todo o platonismo que tal referência possa demonstrar - tem em tal texto o combustível de renovação e persistência no árduo caminho de permitir a fome sagaz do conhecimento.
Esse abaixo foi retirado do blog PERORATIO, prof. da FABAT, Osvaldo Luiz Ribeiro.
(http://peroratio.blogspot.com/2009/07/2009394-entre-profundamente-triste-e.html)
(http://peroratio.blogspot.com/2009/07/2009394-entre-profundamente-triste-e.html)
(2009/394) Entre profundamente triste e profundamente lindo
1. Sempre digo a meus alunos - "meus alunos" é uma expressão de todo infeliz, eu sei. Então, deixem-me recomeçar: sempre digo aos estudantes que vão às minhas aulas que o parto natural é uma experiência violenta, linda, mas violenta, significativa, mas violenta, a força, as forças, a dor, a força da mãe, a força da criança, os músculos que [quase] se rasgam, é impossível, não vai sair... e sai... A vida nunca é uma passagem suave: é sangue, é dor, é suor, é grito, é força... é nascimento, é alegria...
2. Então digo: não me venham para uma sala de aula, e de Teologia!, e minha!, querendo sossego e tranqüilidade, brisa suave e leve. Estejam prontos para a dor do parto, eu lhes digo, depois de a ter experimentado eu, na mesma sala, mas, então, como estudante.
3. Outro dia, uma estudante postou em Peroratio um comentário. Deu-me medo, um medo renovado, e reagi, dizendo-lhe desse medo, desse medo de não ter esse direito. Professor... obstetra... e o útero era-lhes tão confortável...
4. Pois bem, Harlyson Lopes reagiu à minha reação com um texto extraordinariamente profundo. Tristíssimo e belíssimo. Um encontro trágico e mágico entre dor e alegria, entre as dores do parto e a alegria do nascimento... mas um nascimento com passado doloroso, triste, irretornável, um fantasma eterno...
5. Julgue o leitor.
“Viviana, querida...Começo (mas talvez seja o dia em si) a ter medo do que estou fazendo com vocês. Despertar a consciência não é coisa simples. Despertá-la, e deixar que caminhem sozinhos, é ainda pior. Temo não ter esse direito. Temo estar todo errado. Temo. No momento, sou um poço de terror por dentro... Pudesse, talvez eu me retirasse para o deserto, e morresse lá, e só, onde não poderia fazer mal algum, a ninguém... só a mim...Osvaldo.”
Prof. Osvaldo,
Não sei se alguém já se atreveu a dar uma resposta diante de teu temor. Seria um atrevimento meu tentar escrever algo? Não sei. Pode ser que sim. Mas já não posso calar a voz que durante tanto tempo e por duros golpes foi silenciada. Amordaçada.
Tudo o que estiver escrito aqui será apenas minha opinião e de modo algum tentará abarcar as idéias de outros alunos seus.
Vou direto ao assunto. O direito que temes não ter.
Não acredito que qualquer pessoa tenha direito a despertar a consciência de outra, porque não é algo pelo que se pede. Aquele que é desperto não pediu pelo despertar. Talvez gozasse de agradável sonho e pouco desejasse acordar. Talvez sofresse de penoso sonho e buscasse desesperadamente acordar e, como nos pesadelos, não pudesse se mexer e o ar lhe faltasse. Mas seja qual for a situação, abrir os olhos de outro ainda é uma intromissão.
Quantos que agora estão despertos não gostariam de voltar a sonhar? Não é pelo desejo de voltar a sonhar que tantos seminaristas tapam seus ouvidos em tantas aulas, cerram os dentes e fecham os olhos para aquilo que está escancarado? Não é pela vontade de voltar ao sonho confortável que outros tantos ignoram as descobertas arqueológicas e a crítica textual?
Coitados. Foram despertos sem que pedissem por isso. E considero-os coitados, pois não enxergam que estavam a sonhar e não concebem a realidade de forma diferente do sonho. A realidade deles é tão quebradiça que a mais simples opinião contrária seria fatal. Daí surge os cegos que não vêem os fatos, os surdos que não escutam os argumentos desfavoráveis, os aleijados que precisam se apoiar em teologias duvidosas e fracas que, quando faltam, caem, pois não podem se manter sozinhos.
Pergunto-me se eles não percebem que seus perfeitos sonhos não são suas criações, mas apenas um cenário pintado por outro.
Eu vivi durante vinte e seis anos numa arte desenhada para me aprisionar. Era um sonho deleitável. Um dia a arte se tornou borrão e a paisagem se tornou tenebrosa. Existiam monstros no cenário e eu nunca havia percebido. O primeiro monstro quis devorar meu prazer por revistas em quadrinhos. Coisa fútil. Banal. Tanto problema me causou que abandonei as revistas. Não sabia que era um monstro. Estava disfarçado de “Homem de Deus”.
A certeza de saber que fazia a vontade divina me confortou.
O segundo monstro foi muito mais cruel. Tinha tal desejo de me sufocar que mirou a única mulher que amei. Ela não seguia a mesma religião que eu. A dela obviamente era errada aos olhos do monstro furioso. A jovem não me pedia nada a não ser que a aceitasse. Ela me incentivava a continuar na igreja. Mas o mostro exigiu que eu me apartasse dela. Eu vi isto acontecer e vendo não quis acreditar, pois disseram: “É demônio! É mal!”, mas, por fim, me afastei por não poder contrariar a voz divina.
A certeza de saber que fazia a vontade divina foi a única tentativa de conforto.
Peço-te licença para mencionar tua esposa. Tu tens Bel. Foram várias as vezes que o ouvi mencionar o amor que tens por Bel. Imagines que alguém te dissesse que não podes ficar com Bel porque ela não era da mesma religião que tu. Não era um conselho. Era uma ordem. Este monstro também estava disfarçado de “Homem de Deus”. Ele trouxe uma arma indefensável. Trouxe a “palavra de Deus”. Esdras capítulo 10 e Neemias capítulo 13...
Apenas contei esta história porque almejo fazer-te sentir como me senti. Absurdo. Não tenho tanta habilidade com as palavras.
Estou revolvendo para não dizer o que desejo, mas é preciso. Teres despertado minha consciência para perceber que aquilo que fiz não foi necessariamente a vontade divina, foi extremamente doloroso. Mais ainda do que tê-lo feito. Foi e é uma dor que me atingiu e atinge com tamanha violência que quis e quero chorar.
É exatamente para entenderes que teu temor é válido que escrevo este texto. Talvez tu estejas mesmo errado. Mas tu foste o primeiro que não se disfarçou. Foste o primeiro que não me pediu absolutamente nada. Olhou para minha turma e apenas nos considerou dignos de saberem que existia outra forma de sentir. Tu me apresentaste o cenário.
Agora posso escolher ficar no cenário em que nasci (Não. Nunca mais pretendo voltar a este) ou posso escolher um cenário pronto em algum lugar, seja de cegos, surdos ou aleijados. Ou, e esta é a única opção que me agrada no momento, posso viver a vida para assim construir o meu próprio cenário. Um cenário feito por mim. Com minhas mãos, meu suor e minhas lágrimas. Pode não ser a mais bonita paisagem. Mas será a minha visão.
Não tinhas o direito. Mas te agradeço. Muito obrigado. O que seria de mim se estivesses no deserto? Vinte e seis anos e apenas um contou o que deveria ser bradado por todos os lugares. Que a vida não se resume ao que disseram e que ninguém pode ser dono de Deus.
Tudo o que estiver escrito aqui será apenas minha opinião e de modo algum tentará abarcar as idéias de outros alunos seus.
Vou direto ao assunto. O direito que temes não ter.
Não acredito que qualquer pessoa tenha direito a despertar a consciência de outra, porque não é algo pelo que se pede. Aquele que é desperto não pediu pelo despertar. Talvez gozasse de agradável sonho e pouco desejasse acordar. Talvez sofresse de penoso sonho e buscasse desesperadamente acordar e, como nos pesadelos, não pudesse se mexer e o ar lhe faltasse. Mas seja qual for a situação, abrir os olhos de outro ainda é uma intromissão.
Quantos que agora estão despertos não gostariam de voltar a sonhar? Não é pelo desejo de voltar a sonhar que tantos seminaristas tapam seus ouvidos em tantas aulas, cerram os dentes e fecham os olhos para aquilo que está escancarado? Não é pela vontade de voltar ao sonho confortável que outros tantos ignoram as descobertas arqueológicas e a crítica textual?
Coitados. Foram despertos sem que pedissem por isso. E considero-os coitados, pois não enxergam que estavam a sonhar e não concebem a realidade de forma diferente do sonho. A realidade deles é tão quebradiça que a mais simples opinião contrária seria fatal. Daí surge os cegos que não vêem os fatos, os surdos que não escutam os argumentos desfavoráveis, os aleijados que precisam se apoiar em teologias duvidosas e fracas que, quando faltam, caem, pois não podem se manter sozinhos.
Pergunto-me se eles não percebem que seus perfeitos sonhos não são suas criações, mas apenas um cenário pintado por outro.
Eu vivi durante vinte e seis anos numa arte desenhada para me aprisionar. Era um sonho deleitável. Um dia a arte se tornou borrão e a paisagem se tornou tenebrosa. Existiam monstros no cenário e eu nunca havia percebido. O primeiro monstro quis devorar meu prazer por revistas em quadrinhos. Coisa fútil. Banal. Tanto problema me causou que abandonei as revistas. Não sabia que era um monstro. Estava disfarçado de “Homem de Deus”.
A certeza de saber que fazia a vontade divina me confortou.
O segundo monstro foi muito mais cruel. Tinha tal desejo de me sufocar que mirou a única mulher que amei. Ela não seguia a mesma religião que eu. A dela obviamente era errada aos olhos do monstro furioso. A jovem não me pedia nada a não ser que a aceitasse. Ela me incentivava a continuar na igreja. Mas o mostro exigiu que eu me apartasse dela. Eu vi isto acontecer e vendo não quis acreditar, pois disseram: “É demônio! É mal!”, mas, por fim, me afastei por não poder contrariar a voz divina.
A certeza de saber que fazia a vontade divina foi a única tentativa de conforto.
Peço-te licença para mencionar tua esposa. Tu tens Bel. Foram várias as vezes que o ouvi mencionar o amor que tens por Bel. Imagines que alguém te dissesse que não podes ficar com Bel porque ela não era da mesma religião que tu. Não era um conselho. Era uma ordem. Este monstro também estava disfarçado de “Homem de Deus”. Ele trouxe uma arma indefensável. Trouxe a “palavra de Deus”. Esdras capítulo 10 e Neemias capítulo 13...
Apenas contei esta história porque almejo fazer-te sentir como me senti. Absurdo. Não tenho tanta habilidade com as palavras.
Estou revolvendo para não dizer o que desejo, mas é preciso. Teres despertado minha consciência para perceber que aquilo que fiz não foi necessariamente a vontade divina, foi extremamente doloroso. Mais ainda do que tê-lo feito. Foi e é uma dor que me atingiu e atinge com tamanha violência que quis e quero chorar.
É exatamente para entenderes que teu temor é válido que escrevo este texto. Talvez tu estejas mesmo errado. Mas tu foste o primeiro que não se disfarçou. Foste o primeiro que não me pediu absolutamente nada. Olhou para minha turma e apenas nos considerou dignos de saberem que existia outra forma de sentir. Tu me apresentaste o cenário.
Agora posso escolher ficar no cenário em que nasci (Não. Nunca mais pretendo voltar a este) ou posso escolher um cenário pronto em algum lugar, seja de cegos, surdos ou aleijados. Ou, e esta é a única opção que me agrada no momento, posso viver a vida para assim construir o meu próprio cenário. Um cenário feito por mim. Com minhas mãos, meu suor e minhas lágrimas. Pode não ser a mais bonita paisagem. Mas será a minha visão.
Não tinhas o direito. Mas te agradeço. Muito obrigado. O que seria de mim se estivesses no deserto? Vinte e seis anos e apenas um contou o que deveria ser bradado por todos os lugares. Que a vida não se resume ao que disseram e que ninguém pode ser dono de Deus.
5. Um texto desses pagaria toda uma vida de professor. E, no entanto, faço-me saber que ele não reflete mais do que o natural. Se posso guardar alguma coisa dele, e o guardo, é aquela sensação de que não fiz mais do que minha obrigação, meu dever, nem mais, nem menos, e tê-lo feito não me acrescnta nada, absolutamente nada, conquanto me tira um peso daquele medo, que, contudo, permanece... Gigante, Harlyson sobe sobre a própria dor e grita tão alto, mas tão alto, que ela se transforma em eco, cada vez mais fraco, mas eterno. É a cura possível para a carne humana.
6. Obrigado, querido.
6. Obrigado, querido.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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