Interessante como os aspectos físicos do campo da estética corporal estabelecem padrões limítrofes em nossas experiências quanto ao discurso que nos é apresentado, seja este discurso fruto de produção religiosa ou não.
Anos atrás tínhamos um medo grotesco do Lula. Sua aparência quase que impunha suas opções marxistas, das mais extremadas possíveis, a vasta barba e os cabelos degringolados fizeram, creio eu, que ele perdesse as eleições contra Collor. Não foram poucas as pessoas que confessaram o assombro pelas vestes “revoltas” e aspecto “conspirador–comuna” de nosso atual presidente, fazendo com que ele perdesse a eleição em questão. Tempos depois, barbas negras e revoltas a menos, cabelos bem cortados e já grisalhos pelo tempo mensurável e experiência imensurável, Lula volta por “sobre a carne seca”. Elege-se pela primeira e consequentemente pela segunda vez. Não foram poucos os comentários sobre sua aparência. Interessante não ter eu percebido tanta mudança no discurso, mas parece que a aparência de Lula fez com que a intensidade do vermelho na flâmula petista tornou-a um pouco mais rósea, mesmo sendo o mesmo discurso em sua essência.
Hoje experimento a mesma situação e percebo como as pessoas nem ligam para o que você diz, mas sim para quem o diz. Optei por livre e espontânea vontade “tosar” as madeixas que me acompanhavam já durante três anos. Motivos? Minha total indisposição para o cuidado que é requerido. Os tempos de Heavy metal e diálogos com o mundo underground já não são uma constante. Por isso não senti nenhuma espécie de remorso durante o corte, talvez uma inerente saudade dos dias de show e encontros com os “irmãos de camiseta preta”. Com isso desconstruo a primeira argumentação que me foi apresentada, a de que cortei os cabelos por exigência da igreja ou por não suportar a pressão sobre minha aparência pouquíssima formal. Sinceramente, o mundo eclesiástico me pressiona por ainda requerer uma postura aceitável, portanto, fui pressionado, mas com muito respeito. Não fui exigido, ao contrário, fui questionado sobre o "porque" de ter cortado o cabelo pela minha igreja “mantenedora” ,que sempre se mostrou bastante acolhedora e benevolente para com minha aparência, embora soubesse da vontade de boa parte de sua liderança em me ver seguindo a mais formal etiqueta eclesiástica (eles não gostariam que eu o fizesse por qualquer motivo que não fosse minha própria vontade). A realidade do motivo é a de que o calor meridional de nosso país, bem como a não necessidade de me afirmar pela aparência me libertaram dos moldes modais que por ventura me sejam cobrados. Minha mais pura e completa vontade, ninguém teve nenhuma influência, por menor que fosse ,sobre meu novo visual.
Mas minha observação vem mediante o discurso que sempre me acompanhou e que sempre proferi, tanto nas comunidades de fé que eventualmente sou convidado a falar, como na academia e no próprio cotidiano. Interessantíssimo como as pessoas, confrontadas com o visual pouco convencional (parecendo um índio “Omeca” como diz o professor Osvaldo), tomavam meus dizeres como heresia, antibíblico, liberal em demasia. Sempre me coloquei a tentar saber os motivos desses dizeres, porém, assumo todas as responsabilidade sobre o que digo, portanto, sempre estive muitíssimo tranqüilo quanto a estas posições “contrárias”. Agora, após o novo visual, os comentários sobre meus dizeres deixaram de assinalar a heresia e abordam a “originalidade” nas hermenêuticas, esquecem-se do antibiblicismo e apontam a argumentação científica do texto, o evangelho “liberal em demasia” agora impacta o homem a perceber um evangelho que perpasse antes de tudo a consciência desse homem e sua relação pessoal com a divindade. Minhas pregações continuam sendo fruto dos meus medos, sentimentos, pensamentos, estudos, sempre dizem mais a meu respeito que ao outro. O que digo, digo antes a mim mesmo, posteriormente, os ouvintes estejam à vontade para uma analise do conteúdo do discurso e sua aplicação ou não na sua relação de pessoalidade com o divino. Parece que me tornei um excepcional preletor por ter cortado o cabelo. Em minha dura e fria análise continuo medíocre, afinal, não há grandes descobertas, apenas apontamentos sobre minha relação com Deus, tudo no campo da pessoalidade, da experiência pessoal, onde cada um é responsável por seu acesso ao Criador. Mesmo assim ainda ouço: Agora sim, esse é meu seminarista! Esse Será um “pastorzão”! (rs)Tudo por um corte de cabelo.
Acho que se Jesus tivesse visitado o cabeleireiro, talvez tivesse escapado de seus algozes, bem como de seu trágico fim terreno.
Thiago Barbosa