1. Depois de pensar uma forma de fazer com que Kel se sentisse melhor de sua indisposição mensal, essa, que a atinge todos os meses e a deixa realmente tristonha e ligeiramente embravecida, tive a brilhante idéia (brilhante porque penso ter sido produtivo para ela e, principalmente, para mim) de irmos ao cinema para assistir as sagas do detetive mais famoso de todos os tempos: Sherlok Homes. Suas aventuras são de tirar o fôlego, literalmente. Parece que por todo o enredo do filme, nossas emoções sofrerão com os vários picos de tensão salpicados com um inteligente senso de humor por parte de nosso caríssimo detetive britânico. Mas o que me deixou intrigado não foram as fantásticas cenas de suspense, ou as formidáveis enrascadas em que se envolvia Homes e seu fiel amigo Watson. O que me deixou a pensar, num exercício de principiante, de um pensador ainda em formação, foi exatamente o dualismo Misticismo x Racionalismo, expressos, respectivamente, na pessoa de Homes e de seu Inimigo.
2. O detetive é um homem extremamente racional, suas intuições permitem alcançar uma síntese “quase exata” dos fatos, uma solução, o que lhe permite resolver os problemas à sua frente. Uma mente racional que, especialmente nessa aventura, se põe em conflito com uma problemática, que, de início, é não- natural, fugindo do mundo sensível, possível, real. Homes se depara com os poderes supranaturais da magia até que, ao chegarmos no final de todo o mistério, ou melhor dizendo, quando ele chega ao final de suas investigações, pode, então, demonstrar a “supremacia” da razão sobre o misticismo que envolvia todo o caso. O grande detetive se lança sobre o problema que causava tanto temor (por se tratar de algo além do natural) às gentes da época, como se lança um filósofo, principalmente moderno, sobre um problema filosófico. Utiliza-se de metodologia, seja ela discursiva ou intuitiva. A forma de entender do que realmente se constitui o mistério é “garimpando”, duvidando, questionando, analisando e desconstruindo toda a camuflagem “espiritualizada”, mitológica, bem elaborada pelo suspeito, o que fazia crer, todos os envolvidos ou os que se envolviam.
3. Honestamente, não deixei de experimentar-me na difícil arte da reflexão teológica, fazendo uma aproximação da prática investigativa analítica de Homes com a investigação exegética moderna das escrituras sagradas, a bíblia. Assim como essa mente brilhante da investigação policial, as ciências bíblicas não se contentam em analisar formas “camufladas” dos textos bíblicos, sejam as que herdamos da tradição judaico-cristã, seja das repetidíssimas interpretações dessa mesma fonte. O que os teólogos-biblistas modernos desejam é apreender o que está “por trás das palavras”, ouvindo as “muitas vozes” dentro de inumeráveis circunstâncias. É saber o que é, o que está, debaixo de um “emaranhado místico-espiritualizante” no qual deixamo-nos envolver psicologicamente/emocionalmente/culturalmente, aponto de negarmos toda e qualquer possibilidade de investigação que realce ou que revele as “coisas” dentro de seu contexto histórico de fato. .
4. Ao final do filme, Sherlok Homes desvenda mais um mistério. Esse, um tanto diferente de muitos outros que já havia desvendado. Fica claro a grande mentira construída pelo suspeito. Os crimes que possuíam um teor sobrenatural tornam-se agora crimes arquitetados a fim de alcançar um objetivo, um plano ideológico e político afim de obter controle e governo. Havia uma intensão de fundo, um manipulador por trás de toda aquela magia, alguém que fazia crer na transcendência dos assassinatos parecendo “obras do além” a fim de encobertar e não transparecer as “reais” intensões. Foi assim que muitos reis judeus justificaram seus delitos, seus abusos. As injustiças sócias, a opressão econômica, tudo se justificava a partir de um discurso cheio de magia e autoridade dos “céus”. O que não é diferente daquilo que os especialistas tem desvelado no que se refere à leitura dos textos bíblicos na história da civilização ocidental. A estrutura patriarcal e colonizadora do ocidente europeu é um construto teológico judaico-cristão, que tem no poder político-religioso da cristandade a criação de identidades universais, que são vinculadas a um Deus transcendente e patriarcal a partir das representações e intervenções político-sacerdotais da cristandade européia.[1]. O famosos detetive desvenda o caso revelando sua imanência, nada de sobrenatural, nada de magia, nada de discursos mitológico, somente truques bem arquitetados que passam despercebidos aos olhos, acostumados a crer , olhos não inquiridores.
5. Podemos ler a bíblia somente crendo, sem ao menos permitir-se perguntar: porque ?, como?, quando?, em que contexto ou situação? quem disse? porque disse?. Ou podemos investigar, como um detetive que procura pistas para resolver um mistério. Não quero de forma alguma dizer que não precisamos crer, pelo contrário, como diz Gilberto Gil “andar com fé eu vou, que a fé não costuma faia”. A fé é parte de nossa constituição como seres do mundo, aprendemos isso e precisamos disso. O que nos propõe os biblistas e o que, agora, acompanho, é uma mente investigativa, uma fé não alienada, uma “leitura de detetive” para que nossa mente naturalmente “curiosa”, possa dormir em paz todas as noites. Não nego também ser isso uma tarefa difícil. É extremamente difícil perceber-se num circulo ideológico que, de certa forma, nos “conduz” na vida social. O circulo ideológico consiste precisamente na relação mútua, dialética entre nossa práxis e ateoria que se apresenta como sua inteligência e explicação. A práxis pede, exige uma teoria, uma inteligência. Esta teoria, inteligência, por sua vez, confirma a práxis, reforça-a. Assim circulamos dentro dessa relação. Cada vez mais a nossa práxis fica justificada pela teoria. [2]. É assim que aprendemos a fé, o que dizem é o que praticamos, o que acreditamos.
6. O mesmo espírito investigador de um filósofo deve ser o espírito de um estudante das escrituras, de um teólogo ou de um biblista. O desejo por autonomia e a coragem de romper com o(s) circulo ideológico, de alcançar entendimento no exercício da própria razão, deveria ser o espírito dos cristãos, principalmente, os de confissão protestante. Como diz Morente, “nós devemos permitir com que nos tome aquela alma lúdica, aquele instinto infantil, curioso e inquiridor” pois com certeza “cavando bem fundo” podemos nos aproximar mais daquilo que corresponde ao real, ao que pode ser historicamente tangível. Talvez, tornando-se necessário desmistificar algumas coisinhas. A perspectiva “maximalista” dos textos bíblicos, importada e assumida em nossas comunidades, é símbolo de verdade epstemológica, possui força política e é, de forma mais específica, nosso “círculo”. Nossa constituição cristã é forjada nessa prédica, é por esse viés que compreendemos a realidade, é nesse ambiente que gostamos de permanecer. Mais confortável é receber pronto tudo aquilo que precisamos para encarar o mundo, o que está fora do círculo. É angustiante a idéia do diálogo com o que está fora de “meus” limites; sim, não o nego, mas talvez seja necessário Romper com (em) fé (utilizando o título da famosa música), ou seja, romper sem, no entanto perder a fé,os limites que conduzem nossa consciência.
7. Faz-se necessário, principalmente nos dias atuais, que tenhamos uma “mente analítica” , como de a de Homes.
Jonathan
[1] CABRAL, Jimmy Sudário; Bíblia e Teologia Política: escritura,tradição e emancipação- Rio de Janeiro: Mauad X ; Instituto Mysterium; 2009
[2] LIBÂNIO, J. B.; Formação da Consciência Crítica: 2. subsídios sócio-analíticos; Rio de Janeiro; Vozes; 1979
isto jovem Jonathan, sacia-me com teus escritos. Bom ler novamente e devo assinalar abaixo minha total concordância nas hermenêuticas principalmente no cristianismo do Antigo Testamento. Sim, de Deus vê-se pouco, mas abunda-nos os dizeres dos reis, dos sacerdotes, dos líderes na eminência de manter o controle social...ao controle social no antigo Israel dá-se o nome de YHWH...
ResponderExcluirCristianismo do Antigo Testamento???? perdoe-me o lapso, digo: Leituras "cristãs do Primeiro Testamento...
ResponderExcluir