A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sobre a vocação e os vocacionados.

Deus seja louvado pelo ctrl-c ctrl-v. Mais uma vez um texto que desperta interesse e meditação, ao menos no fragmento selecionado, pode nos mostrar uma perspectiva para os cursos de teologia, que em essência, estão e estarão intimamente atrelados à pastoral, à doutrinação, à sistematização da fé e da instituicionalização da filosofia cristã.

Que possamos meditar sobre a "nossa" vocação e a pessoalidade de nosso chamado, novamente com Osvlado Luiz Ribeiro.
segue o link para o post completo - http://peroratio.blogspot.com/2009/11/2009702-se-ano-que-vem-for-ano-que-vem.html




6. Já a pastoral, ei-la gritando nas livrarias: auto-ajuda. Se, por um lado, eu gostaria de pensar rogerianamente, o fato é que as pessoas, aos milhares, aos milhões, aos bilhões, precisam de ajuda. Para mim, a pastoral é isso - e nada mais do que isso. Ajuda e serviço às pessoas. O véu mítico, místico, mágico, teológico, dessa pastoral, vá lá, é a transposição do pathos da caridade para a ordem da imposição profética: cuidar das viúvas... Não preciso - e se preciso, algo deve estar profundamente errado comigo - imaginar que Deus me mande fazer caridade. É a necessidade do outro que deve me vocacionar. Um pastor não é vocacionado por Deus - vocaciona-o a face das gentes. Se é Deus a vocacioná-lo, não são as pessoas seu foco...

7. Nesse sentido, a crítica, a academia, as ciências, de modo geral, são ferramentas relevantes para a pastoral. O lenga-lenga doutrinário/confessional pode ser perfeitamente secundarizado (não chegarei, ainda, a dizer, abandonado...). Com o tempo, quando a pastoral olhar para o rosto do homem, e não para o rosto de Deus, verá que a vocação permanece... e mais autêntica.

A pergunta que permito me fazer nesse momento é: onde se focaliza nosso "chamado"? Sei que a abordagem supracitada não questiona Deus, mas sim a minha relação subserviente a um Deus totalmente imaginário (por ter sido idealizado por outros e não pela pessoalidade humana), de forma que a força motora de ação e intenção dessa vocação (o homem) passa a se apresentar em ultima análise, distante e moribunda, na realidade vocacional. Afinal, como podes amar a Deus que não vê, e não amas a seu irmão que está vendo?

Que sempre vejamos a Deus, no fundo dos olhos lacrimosos da gente necessitada.


Thiago Barbosa

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

GEORGE WOODCOCK - sobre a anarquia

WOODCOCK, George. Os grandes escritos anarquistas. Rio Grande do Sul: L & PM Editores Ltda, 1981. 54p.



“Toda a posição do anarquismo é completamente diferente de qualquer outro movimento socialista autoritário. Ela tolera variações e rejeita a ideia de gurus políticos ou religiosos. Não existe um profeta fundador a quem todos devam seguir. Os anarquistas respeitam seus mestres, mas não os reverenciam, e o que distingue qualquer boa compilação que pretenda representar o pensamento anarquista é a liberdade doutrinária com que os autores desenvolveram idéias próprias de forma original e desinibida.”

Gostei da frase, creio que merece uma reflexão mais aprofundada, mas não neste momento...
Thiago Barbosa

Até quando?

O Senhor não voltava, mas Constantino aparecera... Aleluia!... Gritavam os crentes!

Metido na sua corte, como seu escriba, estava um cristão chamado Lactâncio. Foi Lactâncio o “profeta” de Constantino, sim, pois foi dele a interpretação de que o meteoro caído diante deles antes do ataque a Roma, para tomar o poder, era um sinal de Jesus de que Constantino era o “escolhido”, o “cristo da história”, o Imperador que, pela espada, imporia o Reino de Deus, ainda que a proposta fosse a de que o império romano de Constantino não teria fim, sendo uma espécie de “reino davídico dos cristãos” — o que se tornou realidade/engano pelo fato de que a Igreja Católica Apostólica Romana é a Roma de Constantino viva até aos dias de hoje...

Lactâncio teve um papel fundamental na construção do Constantino Décimo Terceiro Apóstolo de Jesus, o apóstolo imperador, o apóstolo da espada, o apóstolo das glórias terrenas e da Igreja Triunfante na Terra, não nos céus.

Foi de Lactâncio a inspiração de que o “tamanho da igreja e sua presença em todo o império”, seria de grande valor político para Constantino. Foi dele a idéia de colocar a chamada Cruz de Constantino como novo Emblema do Império, substituindo a Águia.

Também foi dele a idéia de fazer da fé em Jesus uma Religião Oficial no Império. Sim, o escriba Lactâncio foi um cristão cansado de ser perseguido, e que estava próximo demais do poder para não tentar influenciar em nome de Jesus...

Ora, Lactâncio começou apenas buscando mais tolerância para os cristãos [...], mas depois de um tempo suscitou no Imperador a certeza política de que o grupo dos escravos amantes de Jesus era a melhor base de apoio que ele poderia ter no Império, dado ao tamanho e à capilaridade da igreja dos discípulos de Jesus.

Foi dele também a idéia de que o Imperador agradaria aos cristãos construindo Basílicas nos lugares mais históricos para a fé dos cristãos...

Ele foi a peça fundamental também na construção dos elos entre o Imperador e os bispos das igrejas locais, ainda escondidas e intimidadas.

Da noite para o dia os bispos viravam eminências pardas.

Depois Constantino aprendeu a andar com as próprias pernas, manobrando os bispos na medida em que lhes dava poder...
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Ilude-se aquele que pensa ser esse um relato vil do medievalismo. Aqui, na pós modernidade, estamos nós ainda reféns dos "profetas de Constantino", do uso do poder, da prepotência, da arrogância, do menosprezo pela consciência individual que forma e emoldura a saúde de uma possível consciência coletiva em nossas comunidades de fé.
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Aqui ainda vivemos nossos joguetes de poder, enquanto isso ovelhas são tragadas, ossos triturados como se fossem pão, no ardiloso jogo dos "falsos pastores", "falsos padres", "falsos pais e mães de Santo", que se utilizam da eterna busca pelo Sagrado, para que sua fome de domínio seja saciada.
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Até quando?
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Resta a oração que diz:"... mas livra-nos do mal. [Porque Teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém]" (Mt 6,13 b).
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Thiago Barbosa

sábado, 21 de novembro de 2009

Simples comentário sobre Descartes



  • Aconpanhando a iniciativa do amigo Thiago, ou talvez imitando-o, disponho meu simples comentári sobre o dualismo de Descartes. Ai vai:

Antes de nos aproximarmos do pensamento filosófico de René Descartes, faz-se importante entender o contexto histórico no qual vivia, quais os paradigmas epistemológicos ainda em voga naquela época e quais os questionamentos emergentes. A partir desses pré-conhecimentos podemos ter uma melhor idéia do dualismo em seu pensamento.

René Descartes nasceu no século XVI no dia 31 de março de 1596 em La Haye, hoje La Haye-Descartes. Estudou no colégio de La Fleche, cursou por algum tempo medicina e licenciou-se em Direito em Poitiers. Serviu

ao exercito francês, viajando por vários paises da Europa. Decidiu então dedicar a sua vida aos estudos se instalando na Holanda vindo a falecer em Estocolmo em 11 de fevereiro de 1650.

Ele viveu num período de grande crise. A Europa havia sido assolada por terríveis epidemias, das quais a mais conhecida a Peste Negra ou peste bubônica. Citam-se como surtos mais importantes a peste de Milão, no século XVI (190.000 mortes), a peste de Nápoles, em 1656, a peste de Londres em 1655 (70.000 mortes), a de Viena em 1713 e a de Marselha em 1720.

Outras transformações já vinham ocorrendo desde antes de seu nascimento. Essas, ocorridas em toda a Europa, no campo político, econômico, religioso, da arte e principalmente das ciências, evidenciavam uma verdadeira “ruptura com o mundo anterior” como diz Danilo Marcondes em sua Iniciação a História da Filosofia.

No período em que viveu Descartes, todas as estruturas da sociedade estavam submetidas a autoridade e controle da Igreja. Um controle Ideológico que começara a ser questionado por não corresponder as situações nas quais vivia a população da época. A autoridade da igreja passa a ser alvo de severas críticas

O espírito desbravador, que motivou as nações a conquistar novas terras, vinculadas às descobertas de cientistas como Giordano Bruno, Copérnico e Galileu, levaram os homens daquele tempo a repensar toda sua cosmovisão. O mercantilismo, derivado do investimento nas grandes navegações, trazia uma nova proposta econômica, baseada no comércio e no lucro individual.

A Reforma Protestante trouxe consigo a arma letal que abalou as estruturas da Igreja Católica. Com a proposta do “Livre Exame de Consciência” corroborou para o desenvolvimento de uma ciência “emancipadora” da qual Descartes vai ser um dos principais defensores.

Num mundo ainda dominado pela autoridade da Igreja, Descartes emerge como um “libertador”, conduzindo a ciência e a filosofia à uma condição diferente, talvez se pudesse dizer, mais evoluída, baseada na racionalidade e na subjetividade do próprio homem. È inaugurada a idéia de Modernidade.

O desejo de Descartes é buscar o conhecimento de forma pura, com isso ele se contrapõe à Tradição e assume o ceticismo radicalmente. Sua filosofia é construída a partir do pressuposto de que somos capazes de compreender a realidade por meio do exercício da própria razão. Os pressupostos da tradição passam a ser colocados em dúvida. A ciência clássica versus a nova ciência, escolásticos versus humanistas, protestantes versus católicos.

DUALISMO DE DESCARTES

Descartes foi o inaugurador do pensamento emancipado ou Moderno. Sua intenção era encontrar “fundamento seguro para a construção do edifício do conhecimento”. Era totalmente insatisfeito com a argumentação e fundamentação da tradição com respeito a realidade. São suas as palavras:

Eis a razão pela qual, tão logo a idade me permitiu sair da sujeição de meus preceptores, abandonei inteiramente os estudo das letras. E decidindo-me a não mais procurar outra ciência, além daquela que pudesse existir em mim próprio, ou então no grande livro do mundo, passei o resto de minha mocidade viajando (...), recolhendo diferentes experiências, testando a mim mesmo nas armadilhas que a sorte me proporcionava e, por toda a parte, fazendo uma tal reflexão sobre as coisas que se apresentavam, para que pudesse tirar delas algum proveito.

Essa insatisfação de Descartes, tem relação com as proposições do movimento reformador, em relação a interioridade do homem “versus” a dimensão exterior. Essa tensão se da em que essa dimensão exterior, pressupõe a autoridade externa, o instituir das verdades a partir de algo exterior ao próprio sujeito. Ai nasce a questão do dualismo. A necessidade de configurar o conceito de verdade e certeza, compreendendo as coisas reais a partir da própria razão. Assim escreveu em suas meditações:

Notei, há alguns anos já, que, tendo recebido desde a mais tenra idade tantas coisas falsas por verdadeiras, e sendo tão duvidoso tudo o que depois sobre elas fundei, tinha de deitar abaixo tudo, inteiramente, por uma vez na minha vida, e começar, de novo, desde os primeiros fundamentos, se quisesse estabelecer algo de seguro e duradouro nas ciências”.

O que Descartes busca e a compreensão do mundo, emancipado de qualquer interferência exterior ao próprio entendimento. Deseja buscar o “sentido” das coisas reais através de atitudes reflexivas, individuais e subjetivas, recusando fundamentos pré-estabelecidos pela tradição. Ele transfere os fundamentos da compreensão delegando essa incumbência ao indivíduo. O conhecimento recebido de fora, e não somente o externo como também o subjetivo, como ele mesmo identifica,não estão isentos de erros . Por isso Descartes se lança a investigação metódica a fim de encontrar “algo seguro” a respeito do conhecimento.Com todo esse esforço ele demonstra a importância da substancia pensante(a Razão ou o pensamento) dando-lhe maior ênfase, que à substancia extensa(corpo ou matéria) . Nessa dualidade, o pensamento, o COGITO, é a base da apreensão da realidade.

A forma com que o filósofo se utilizou para investigar e se aproximar do pensamento correto, ou da verdade, foi o método da dúvida. Descartes procurou duvidar de todas as proposições até que não fosse possível espaço para nenhuma desconfiança, ou seja, até que se chegasse a uma certeza indubitável. Esse meto foi adotado por ele para refutar os céticos que questionavam todo conhecimento, até a possibilidade do conhecimento e da existência de Deus. Através desse método ele propôs argumentos que persistiam na dualidade do finito, que se refere ao homem ente finito; e o infinito, o eu metafísico - o pensamento.

Ao tratar do pensamento, que Descartes também denomina de eu, afirma ser a única estrutura indubitável. Aplicando a dúvida a tudo que se apresenta inclusive a própria apreensão sensorial, que pode ser falha, ele afirma que os pensamentos são o fundamento do conhecimento verdadeiro. Se houvesse possibilidade de duvidar do pensamento, estaria então duvidando da própria existência, pois, segundo o filósofo, Penso logo existo. Como confirma M. G. Morente “... porque os pensamentos estão tão imediatamente próximos a mim, que se confundem com meu próprio eu. E é esse imediatez que os torna indubitáveis e ao mesmo tempo, os faz fundir-se, todos eles, na unidade do eu.”

A questão mais intrigante se da em que o cogito é competente em conhecer a realidade, mas como podemos ter pensamentos com respeito ao infinito? Se nossa relação cognitiva se dá somente com objetivo, como podemos pensar no infinito, mesmo que Descartes conceba a idéia metafísica do Eu, independente da substância extensa?È nesse momento que Descartes demonstra que ainda possui laços com a tradição. Ele não rompe com a pressuposição da existência de uma rés infinita, de uma mente infinita que possui relação com a rés cogitans.

A filosofia de Descartes não possui um viés solipsista , ao contrário, da margem a existência de um ente o qual não se pode alcançar empiricamente na experiência individual. O PENSAMENTO SOBRE Deus existe dentro do pensar mesmo que este seja distante do alcance do pensar. Como isso ocorre?

Descartes admite que a idéia de Deus é inata a mente humana. E se essa idéia é inata à mente, e se o nosso pensar é o único assimilador da verdadeira realidade, então a existência de Deus é real. O próprio Deus imprime em nossa mente a idéia de sua própria existência apesar de não podermos obter provas objetivas. Assim como diz a filosofa Bárbara Santos “só um ente infinito (Deus) pode ter posto em mim a própria ideia de infinito; ou seja, só a existência de um sujeito infinito vai permitir em mim a ideia de infinito.”

CONCLUSÃO:

Penso que a estruturação da filosofia de Descartes, principalmente no que se refere ao seu dualismo, é na sua forma um protesto, uma atitude político-pragmática em relação à autoridade e domínio da instituição cristã da época – a Igreja. È um grito de liberdade em relação à manipulação desonesta e incoerente do colégio eclesiástico, que exercia um governo ditador sobre as ciências, sobre o pensamento e sobre a liberdade dos indivíduos.

Descartes acaba sendo, intencionalmente ou não, o inaugurador da autonomia do indivíduo, da liberdade de consciência, do desenvolvimento das ciências, do inicio da modernidade.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Perdemos um pastorzão???


Como tudo o que chama atenção aqui postamos, coloco essa respostinha do humorista Danilo Gentili. Isso mesmo, aquele que foi expulso de uma igreja Batista por "questionar demais"...

Fiquemos com seus dizeres, que são bem interessantes...

Isso é uma resposta após sua atuação como "o repórter inexperiente" (quadro do programa CQC), em que entrevistou o Pop-padre-star Marcelo Rossi.

ps. segue o link...http://www.tomenota.net/site/?p=222


Jan 8, 2009

Em Julho do ano passado o humorista Danilo Gentili escreveu em seu
blog sobre o perdão que recebeu do Padre Marcelo Rossi e aproveitou para falar de religião.

“O Padre Marcelo disse no último sábado para o site Terra que me perdoou, pois esta é sua missão. Eu sempre achei que a sua missão era aquela missa que ele faz com mais de três horas de duração. Perdoai minha ignorância.


É que em toda minha estupidez moral, social e teológica, nunca encarei o perdão como missão e sim como obrigação de todos, seja padre, pai-de-santo ou um simples civil como eu. Confesso que me acho falho, sujo e pecador, obrigado a conviver com pessoas nas mesmas condições, por isso até então nunca tinha conseguido enxergar o perdão como missão e sim como única opção. Perdoai minha ignorância.


Mas sou grato ao Padre que além de perdão me deu algo ainda mais valioso: ensinou que com religião não se brinca. Eu errei por não conhecer a verdade. Eu achava que o Marcelo Rossi fosse apenas um padre. Não sabia que ele era uma religião. Se eu soubesse jamais teria brincado com ele. Tanto é que sei que o catolicismo é uma religião, por isso não brinquei com isso. Perdoai minha ignorância.


Confesso que no fundo, as vezes tive vontade de brincar com religião, pois pensava que a religião, assim como as festas folclóricas, os rituais de tribos, as manifestações culturais, a política, fossem coisas criadas pelos homens, e pra mim, se algo foi criado pelo homem, esse algo é falho. E se algo é falho, é digno de crítica, de análise, de humor, de comédia e de questionamento. Perdoai minha ignorância.


Eu também já quis me dar ao direito de não respeitar todas as coisas criadas pelo ser humano (como a religião por exemplo), da mesma forma que o ser humano não respeita as coisas criadas por Deus (como os animais, o planeta e a capacidade única do homem de não levar a sério as coisas idiotas que ele mesmo cria, como por exemplo, a religião). Perdoai a minha ignorância.
Hoje reconheço que religião realmente é um assunto sério. Um assunto tão sério que já provocou a morte de milhares de pessoas no decorrer da história. Com morte não se brinca. Perdoai minha ignorância.


Por falar em ignorância, peço que os amigos evangélicos sigam o exemplo do nobre padre e por favor me perdoem também. Quando eu fiz essa matéria, na Marcha pra Jesus, só queria tirar umas dúvidas, não quis ofender. Mas acho que errei ao questionar a integridade de alguém que fez o contrário do que prega. Eu não sou ninguém pra julgar alguém que se julga escolhido de Deus. Perdoai minha ignorância.


Obrigado Congresso Nacional. Vocês também me perdoaram essa semana. Obrigado por perdoar eu ter sido expulso e barrado por vocês.


E antes de finalizar que fique claro que eu também andei perdoando por aí. Eu disse pro presidente da Câmara, por exemplo, que no local onde trabalho, ele poderia entrar quando quisesse.


Mas confesso que dessa vez não perdoei por obrigação, por missão e nem por falta de opção. Eu perdoei só pra tentar dizer que minha atitude com ele era superior à atitude que o Congresso teve comigo. Quis meio que sair por cima. Dar uma bofetada com luva de pelica. Peço perdão pela sinceridade. Confesso que ainda não aprendi a lição do padre que é perdoar e sair anunciando por aí que perdoou apenas por ter muita humildade… humildade… humildade…
E se você viu alguma coisa no post acima que não gostou, acho que tem uma missão pela frente.”
Danilo também responde sobre ter sido expulso de uma igreja pelo pastor em entrevista ao blog
“O Apanhador“.


“Danilo - Na igreja católica fui convidado a me retirar do catecismo. Mas continuei católico. Um dia li a biblia e percebi q jamais poderia continuar sendo católico se quisesse acreditar que a Biblia é a palavra de Deus. Então busquei uma igreja que estivesse mais de acordo. Mas acho que encontrei apenas uma que estava em menos desacordo. Tambem fui convidado por um pastor a me retirar da igreja… e por irmãos a nao pregar mais… Pensei em ser padre..e em ser pastor… acabei virando humorista… pelo menos no fim das contas fiz as pessoas rirem (e não chorarem).”

Infelizmente perdemos um grande pastor...ao menos hilário e corajoso sim...

Thiago Barbosa

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Meditação sobre Filhos e Paternidade

Tem uma propaganda circulando nos canais abertos que diz ser a família: aqueles que permitimos que nos fossem mais próximos. Creio ser esta uma absoluta e inquestionável verdade. Claro, existe a família que se detém ao genoma, à consangüinidade, à tipologia fenotípica da espécie e das semelhanças orgânicas das tribos ou raças. Mas aqui me prendo ao conceito amplo de família, aquele que me permite escolher e tornar familiar, mesmo com um claro distanciamento gênico, os que nos são caros e próximos; com a clareza do neologismo, indivisíveis do convívio, da memória e dos sentimentos mais profundos de bem-querer. Neste último sentido estão os amigos, ao menos aqueles que são - por puro merecimento ou intuitiva vontade e compaixão - verdadeiramente amigos. Neste contexto se apresentam os meus amigos, mais chegados que irmãos, na caminhada e na vida. Aqueles que à sombra do sacrossanto abacateiro, à esquerda dos que vão de Goiânia - Leopoldo de Bulhões, nas madrugadas mal dormidas (pelo pragmatismo da oração como estética ou política), no secularismo do trabalho, no trabalho eclesiástico, mas essencialmente na relação intra-humana. Sendo essa a única forma que conheço de formar, ao menos com o rigor que a palavra exige os que são amigos “em verdade”.

Agora, após minha descrição da pessoalidade e dedicação que permitem a formação do amigo, me permito escrever sobre um deles. Talvez seja este o mais “encomendado”, e por demasia difícil, das postagens que este humilde blog já recebeu. Creio que isso se deve ao fato de não ser fruto do pensamento teológico/científico ou ainda epistemo-filosófico. Neste caso, o “post” que se forma nessas linhas emoldura o sentimento, a esperança e a felicidade por dias que não me pertencem de forma direta, mas já são meus também indiretamente falando.

Dias atrás recebemos (eu e minha digníssima esposa) um telefonema de um dos pouquíssimos amigos que tenho (dos três que me suportam como amigo). Ele de forma abobalhada, e não poderia ser sob outra forma, afirmava que o exame de gravidez de sua esposa, enfim, dera positivo. Isso tudo no auge de seus 10 meses de casamento. Quanta fome, quanta fertilidade, quanta felicidade!

Esse resultado, agora noticiado, veio entregue com um enfático pedido de que fosse comentado no blog. Aqui, mesmo em atraso, me proponho a fazê-lo, meditação sobre Filhos e Paternidade.

Em si, o conceito biológico de procriação é a força “mestre” que permite o desenvolvimento de uma espécie. Todos os organismos têm uma necessidade de reproduzirem, caso não ocorra, o processo de extinção torna-se irrevogável. O processo, sob o prisma biológico, chega a ser impessoal, porém, a realidade da paternidade não é apenas condizente com os pais, mas o próprio grupo se faz enriquecido com a reprodução e as variações que são permitidas. Tais variações, tanto enriquecem a espécie com suas variações genotípica e/ou fenotípicas, como também enriquecem a espécie com as trocas sob interações sociais que os organismos desenvolvem com os de igual espécie, ou mesmo com espécies distintas, e ainda com o próprio ambiente em que o grupo encontra-se inserido.

Na espécie humana, a paternidade e a reprodução, ganham padrões metafísicos. Tais padrões são observados na necessidade e esperança de transição de um mundo físico. Aqui, analiso um texto alocado no Segundo Testamento, no livro de Marcos 1,11.

Mc 1,11 – “E ouviu-se uma voz dos céus, que disse: Tu és o meu Filho amado em quem me comprazo”.

Nós, os pais (ou futuros pais), afrontados por um mundo que se mostra envolto pela violência, tornamos o medo uma realidade asfixiante para nossas vidas. Deus tinha a plenitude do conhecimento sobre a humanidade, já que é atemporal, observou todas as degradantes formas de violência que o domínio humano sobre a terra apresentou. Mas, mesmo sob a realidade que se mostrava a seus olhos, ele permite que seu filho exista. O primeiro pensamento do pai é este: saber que o mundo é antes de seu filho, e seu filho deverá sobreviver a este mundo. O próprio feto já é um sobrevivente por passar pela adversidade do coito, da fisiologia do útero, da aleatoriedade dos espermatozóides. Por si só, fecundar já é uma vida de aventuras. Mesmo que se discuta ser o embrião um “ser vivo” ou não, ele, como grupo celular já resiste, de forma exemplar, as adversidades de uma vida “intra-uterina”.

Ser pai é saber que o filho não será sobrevivente, ele já o é, uma sobrevivência que centenas de milhares não resistem.

O parto é um momento de alegria e tristeza. Alegria pela libertação. O feto – agora promovido a recém-nascido - era a mãe, agora, jamais será mãe. Ele agora é sozinho, por sua própria conta e risco. Tristeza por marcar a solidão de afastarem-se, cada dia mais, daquele que um dia foi da mãe e era a própria mãe. A partir do parto, o filho se separa e se faz feliz por ter autonomia, porém, se faz triste por ser esta uma caminhada solitária. Aí o pai olha impotente, pois por mais que seja sua vontade suportar todas as dores – e sabemos quão dolorosa a vida pode ser – o filho agora está sozinho. Restam nossas orações e esperança.

Como nós, o filho agora caminha seu próprio caminho. Volta e meia ele recebe nossos auxílios, comentários, retaliações e reprimendas. Ainda sim, serão dele a última palavra. Nada podeis fazer. Mal sabe ele que o que tu dirás, é dito pelo bem que queres a ele. Afinal, ao olhar para ele verás a você mesmo. Biologicamente, verás seu código gênico, metafisicamente verás uma expressão autônoma que recebe informações diretamente da fonte que é você, os pais.

O texto escolhido marca o início do ministério de Jesus, o ideal planejado pelo próprio Deus, depois, o Cristo se retiraria para o deserto. Deus sabia do que viria, mesmo assim, sabendo das dificuldades que viriam a se impor sobre seu filho, Deus declara que se alegra com ele. Eventualmente nossos filhos optarão por caminhos que não gostamos, caminhos que claramente se apresentam tortuosos e ásperos à caminhada. O papel paterno se dá ao vislumbrar este cenário e inspirar confiança no filho. Este será o seu filho amado, é nele que se deve ter alegria.

Ser pai, amigo, é ter um espelho do paradoxo que cresce a cada dia mostrando suas próprias características e, mesmo se distanciando da fonte original, aproxima-se, pois vemos no filho a nós mesmos.

Minha alegria, amigo, é a sua alegria, afinal, já não somos dois. Esses amontoados de anos nos aproximam de tal forma que a surpresa da noticia é minha surpresa, o desespero e preocupação pelos dias que hão de se aproximar também me pertencem. Os inúmeros fios grisalhos que denunciaram as noites mal dormidas estarão também comigo. E este filho, que também é meu filho, é nosso amado, e nele haveremos de ter alegria.

Conte sempre conosco...

Thiago Barbosa

terça-feira, 17 de novembro de 2009

ERGO SUM - O dualismo em René Descartes

Nos períodos que marcam o declínio medieval é possível observar uma mudança epistemológica na Europa. A epistemologia aristotélica passa a apresentar fortes inserções no pensamento europeu desde a invasão muçulmana na região da Espanha no século XIII, tal fato atinge seu apogeu no advento da Reforma Protestante – movimento liderado pelo monge Martinho Lutero, com enorme força nos países germânicos – que culmina com a secessão entre Igreja Católica Apostólica Romana e Igreja Reformada Luterana. O conceito de Sola Scriptura de Martinho Lutero desafiou a autoridade absoluta da Igreja, e a cristandade foi fragmentada como nunca antes. Os protestantes (Igreja Reformada) substituíram a autoridade papal e eclesiástica pela autoridade da Bíblia dizendo que apenas a Bíblia infalível podia dirigir a consciência do crente.

A hermenêutica, ciência interpretativa que até então se apresentava atrelada e comprometida com a interpretação arbitraria da Igreja Católica Apostólica Romana, é direcionada ao ápice de sua liberdade e critica com as postulações emanadas da obra de Immanuel Kant em Crítica da Razão Pura. Tal obra propõe que todos os escritos e discursos devem ser analisados com todo o rigor crítico, inclusive a Bíblia. Tais informações permeiam e preparam nossa leitura da Europa e prepara para a filosofia de René Descartes.

A filosofia de Descartes marca o ápice da transição da epistemologia e filosofia embasada no teocentrismo para uma nova perspectiva que apresenta o antropocentrismo como pensamento hegemônico. Sua filosofia emoldura a transição do “medievo” para a modernidade. O desenvolvimento filosófico do COGITO emana da realidade que diz ser a hermenêutica cristã incapaz de regenerar a humanidade. Descartes insiste na autocrítica dizendo ser o homem é vulnerável a caminhos “prediletos, jamais devemos imaginar que algo é verdadeiro só porque professores o defende ou porque os pais o ensinaram dessa forma, é necessária uma reflexão pessoal do homem sobre seus “caminhos”.

Volta-se ao pensamento sobre a finitude e a contingência humana ao passo que se descrê na fé religiosa. A filosofia cartesiana parte do pressuposto lógico de estudo do EU (noético) de modo que a primazia do estudo noético permite o desenvolvimento do conhecimento ontológico. Tal inovação possibilita a conotação de um homem emancipado e inserido em sua cosmovisão de caráter mais abrangente.

Vejo manifesto que há mais realidade na substancia infinita que na finita, (...) de certo modo, tenho antes em mim a noção do infinito, que a do finito, antes a de Deus, que a de mim mesmo. Pois como podia eu saber que tudo que desejo é dizer, que algo me falta, e que não sou perfeito, se não houvesse em mim a idéia de um ser mais perfeito, o qual me adverte da imperfeição de minha natureza”. Tais apontamentos de Descartes permitem a visualização de um filósofo teísta, já que a finitude humana só pode ser considerada caso exista a infinitude divina.

Descartes descobre e afirma a existência do cogito como princípio de sua filosofia. Entretanto, este fundamento, até aqui, só possui a certeza de existir como ser pensante e nada mais do que isto. Desta forma, o fundamento configura-se como exclusivamente subjetivo. Entretanto, Descartes necessita de um fundamento objetivo. É preciso passar da certeza (subjetiva) à evidência (objetiva).

A fim de isto conseguir, Descartes, após a descoberta do cogito na segunda meditação, inicia a meditação seguinte buscando conhecer melhor a si mesmo: "... ocupando-me somente comigo mesmo e considerando meu interior procurarei tornar-me pouco a pouco mais conhecido e familiar a mim mesmo". Busca conhecimentos que talvez ainda não haja percebido, mas crê que é uma coisa pensante, ou seja, Descartes busca algo além da certeza do cogito. Procura um fundamento de certeza. Da análise do cogito conclui: "... acredito que já posso determinar como regra geral que todas as coisas que concebemos clara e distintamente são verdadeiras". Desta forma, estabelece o seu critério de verdade. Continuando a sua meditação, Descartes afirma que admitiu várias coisas como muito certas e patentes, as quais, no entanto, reconheceu posteriormente como duvidosas. Concluiu isto devido à incerteza do conhecimento sensível.

Continuando seu pensamento, Descartes fala que entre os pensamentos que o sujeito possui existem as idéias, as vontades ou afecções e os juízos. As idéias são as imagens das coisas. As vontades ou afecções são os desejos. Os juízos são os atos nos quais eu afirmo ou nego, ou seja, acrescento algumas coisas por esta ação às idéias que tenho daquela coisa. Descartes cita que, no que diz respeito às idéias, elas não podem ser falsas "porque, quer eu imagine um cabra quer uma quimera, não é menos verdadeiro que imagino tanto uma quanto a outra" . Também não há falsidade nas vontades ou afecções, "já que, mesmo que eu possa desejar coisas más, ou nunca existindo, não é por isso menos verdade que as desejo". O erro, portanto, só pode acontecer na esfera dos juízos.

O principal erro - e o mais normal que se pode mostrar - consiste em que “eu” julgue que as idéias que se encontrem em “mim” são semelhantes ou conformes às coisas que se situam fora de “mim”; pois, com certeza, se eu considerasse as idéias somente como certas modos ou formas de meu pensamento, sem querer relacioná-las a algo de exterior, mal poderiam elas oferecer a oportunidade de errar. Segundo ele, não se pode confiar numa inclinação natural, pois, esta se evidencia apenas com certa propensão a acreditar em algo e não numa razão que garante a verdade desta mesma situação.

É neste contexto que Descartes insere o princípio de causalidade que terá caráter primordial na análise da idéia de Deus. O princípio da causalidade manifesta-se na concepção de que a idéia é um efeito. "É coisa evidenciada pela razão que deve existir ao menos tanta realidade na causa eficiente e total quanto em seu efeito". O princípio de causalidade é usado como meio de se efetuar uma transição entre a certeza da própria existência e o conhecimento de Deus.

Descartes cita que o sujeito tem em si a idéia que representa a si mesmo (cogito), outras que representam Deus, as coisas corporais e inanimadas, os anjos e os outros homens. Destas idéias, a que possibilitará ao sujeito sair de seu isolamento é a idéia de Deus, pois se deve considerar que ela é a única que não pode proceder do sujeito. Portanto, é necessário obrigatoriamente concluir, de tudo o que foi dito antes, que Deus existe, porque, mesmo que a idéia de substância esteja em mim, pelo próprio fato de ser eu uma substância, não teria a idéia de uma substância finita, eu que sou um ser finito, se ela não me tivesse sido colocada em mim por alguma substância que fosse de fato infinita.

O COGITO cartesiano permite o pensamento humano de forma auto-reflexiva, consciente e emancipado. Este pode ser o principal legado da filosofia cartesiana, que é marcada pelo dualismo e subjetivismo. A mutação do conceito de dúvida – que no “medievo” recebe uma clara conotação negativa e atrelada ao pecado passa, agora, a receber uma conotação positiva e libertária – assume aspectos emancipadores para o homem moderno e permite que a análise de sua consciência seja seu direcionamento à existência.

A filosofia do COGITO (ergo sum) é o fundamento do homem transcendendo a matéria em um âmbito individualista. Apresenta uma realidade humana, não apenas subjetiva de um sujeito, mas primordial para um homem que se liga ao mundo. Há um desprazer no mundo exterior, ao passo que se prima por uma consciência investigativa. Tais apontamentos permitem que a obra de Descarte aponte para a finitude do homem, ao passo que remete este mesmo homem à infinitude perfeita de Deus. Desde a perspectiva ontológica se vê a dicotomia entre o homem e o mundo. Deus funciona como um princípio de segurança e certeza.

Descartes conclui que Deus é a causa perfeita da sua idéia de perfeição. Para Descartes, basta um pequeno passo desde “Penso, logo existo” para chegarmos a “Penso, logo Deus existe” (cogito, ego Deus est). Tendo chegado à convicção de Deus é e é perfeito, Descartes tira da sua mente a noção da dúvida de que Deus é um grande enganador.



Thiago Barbosa

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

CODINOME YHWH - um olhar ecológico sobre o livro de Deuteronômio.

O artigo de Iria Hauenstein aborda pontos de cunho legal encontrados no livro de Deuteronômio, onde aponta uma perspectiva ecológica nas sociedades locais e na população contemporânea. O conceito de ecologia, elucidado no texto, indica a complexidade da questão e estudos complementares mostram a necessidade de um processo de conscientização, já que a ecologia se apresenta com a intenção de estabelecer as relações possíveis entre organismo e seus nichos de sustentação abióticos. Foram destacados três textos do livro de Deuteronômio que apresentam conotações ecológicas sob a perspectiva do autor. São eles Dt 22,6-7; 20,19-20 e 23,13-15.


O livro abordado é um dos livros angulares da Bíblia Hebraica, tratando-se de um códice legal compilado e sistematizado com base em leis diversas e de épocas distintas. O principal intuito deste “rolo escriturístico” era organizar o desenvolvimento social e religioso dos judaítas, sendo responsável pela conceituação e manutenção das classes sociais após findar-se a dominação assíria. Em Leis sobre a vida e a morte, a estrutura textual se dá sob moldes de quiasmo, típicos da literatura hebraica, sendo a abordagem central a vida e morte (Dt 19,1-21,9. A abordagem demonstra a organização política e econômica sob e durante o período “Josiânico”, como reação a práticas imperialistas dos assírios. O código utiliza-se de um discurso sob a égide do sagrado para implantar, na sociedade recebedora, nova práticas permeadas por princípios como misericórdia (hesed) e inclusão dos menos favorecidos.


Em “pássaros e ninhos” (Dt 22,6-7) a estrutura aponta para um bloco alocado em “o direito privado” (Dt 21,10-23,14), uma parcela onde se acham agrupadas leis sobre diversos temas, inclusive de caráter preservacionista ou ecológico. O trivial da natureza, no caso um ninho de pássaros, é tomado como ponte para uma reflexão mais profunda. O processo de maternidade ganha ares de sacralidade, mesmo para as criaturas de YHWH, a maternidade é a manutenção da vida, portanto, sua importância é maximizada. Tal consciência está testemunhada também em outras culturas antigas, com divindades específicas para a proteção e manutenção dos animais. O pressuposto apontado ganha força com o texto de Is 10,5-34. A força do julgo assírio sobre seus colonizados é metaforicamente comparado à prática humana em relação a pássaros e ninhos. Vendo a necessidade das espécies, e evitando a sua extinção, temos uma esperança, pequena, de ver e poder contemplar, também no futuro, a integridade de toda a criação. A manutenção da vida, sob qualquer aspecto de espécie ou grupo social, grupamento humano ou as demais esferas bióticas, a manutenção dos “ninhos e pássaros” é a expectativa da esperança futura sob uma visão integralista da vida.


As leis sobre a guerra em Dt 20 apresentam toda a motivação necessária para a batalha. As guerras podem ter uma abordagem de manutenção da vida, porém, corriqueiramente, refletem as políticas expansionistas da nação em questão. Em “Contra o desmatamento sem sentido” (Dt 20,19-20), o texto claramente refere-se aos prejuízos ecológicos causados pelas invasões. Em Joel 1,7 observamos que o corte indiscriminado de espécies vegetais poderia acarretar danos durante uma geração. Obviamente, o intuito primário da manutenção de espécies frutíferas advém da sua utilização na alimentação da própria tropa durante o estado de sítio, bem como da sua utilização econômica no período de colonização efetiva após a conclusão do sítio e sucessiva invasão à cidadela. Assim, discorrendo sobre a prática de guerras ou batalhas, o texto de Dt 20 recomenda medidas de abrandamento, incluindo de sustentabilidade do desmatamento. O texto exposto se apresenta em reação às práticas imperialistas dos assírios, afinal, com a grandiosidade de seu império, o período de sítio seria deveras reduzido, não se apresentando a necessidade de manter as tropas com alimento por dias a fio.


Em “Excrementos e santidade” (Dt 23,13-15) aborda a necessidade da limpeza do acampamento, sob a presença verificadora de YHWH a circular por entre o povo nas aldeias e cidades do Israel Antigo. A antropomorfização de YHWH é evidente quando o sagrado, presente em meio ao povo, não deve precisar ver coisas indecentes (restos fecais, urina, polução noturna ou mesmo lixo orgânico residencial). O termo hebraico “erwah” em geral refere-se à nudez, aqui provavelmente deve estar se referindo a uma “coisa descoberta”. O texto aborda pontos característicos para a manutenção de uma sociedade, como o saneamento básico, sob a força do texto religioso na expectativa de imputar a essa necessidade social a força e obrigatoriedade necessária para a parcimônia deste grupo do antigo Israel.


O autor conclui que Israel, por esses textos, compreende a Terra como casa comum, foi criada por Deus e entregue aos seres humanos como espaço do exercício de domínio, trabalho e de cuidado.


O texto apresenta a possibilidade de que parte substancial do texto de Deuteronômio, sob a reforma do rei Josias, torna-se o molde social para a hegemonização de um grupo de pós-exilados, recém-libertos, mas ainda sob a tutela do seu rei e da elite social. As transições observadas podem retratar a tentativa de se construir uma sociedade estruturada, que modifica sua realidade campestre para uma nova realidade das cidades, transitando de efetivamente coletores para mercadores, pastores, ferreiros, cavadores de poços, manufatores e monarcas. Os hábitos nômades ou seminômades são substituídos por sedentarismo. A mudança de circunstâncias faz com que as leis sejam ampliadas, alteradas, romanceadas. Tudo isso pode ser observado no governo josiânico, porém, com o pseudônimo de YHWH.


Thiago Barbosa