Tem uma propaganda circulando nos canais abertos que diz ser a família: aqueles que permitimos que nos fossem mais próximos. Creio ser esta uma absoluta e inquestionável verdade. Claro, existe a família que se detém ao genoma, à consangüinidade, à tipologia fenotípica da espécie e das semelhanças orgânicas das tribos ou raças. Mas aqui me prendo ao conceito amplo de família, aquele que me permite escolher e tornar familiar, mesmo com um claro distanciamento gênico, os que nos são caros e próximos; com a clareza do neologismo, indivisíveis do convívio, da memória e dos sentimentos mais profundos de bem-querer. Neste último sentido estão os amigos, ao menos aqueles que são - por puro merecimento ou intuitiva vontade e compaixão - verdadeiramente amigos. Neste contexto se apresentam os meus amigos, mais chegados que irmãos, na caminhada e na vida. Aqueles que à sombra do sacrossanto abacateiro, à esquerda dos que vão de Goiânia - Leopoldo de Bulhões, nas madrugadas mal dormidas (pelo pragmatismo da oração como estética ou política), no secularismo do trabalho, no trabalho eclesiástico, mas essencialmente na relação intra-humana. Sendo essa a única forma que conheço de formar, ao menos com o rigor que a palavra exige os que são amigos “em verdade”.
Agora, após minha descrição da pessoalidade e dedicação que permitem a formação do amigo, me permito escrever sobre um deles. Talvez seja este o mais “encomendado”, e por demasia difícil, das postagens que este humilde blog já recebeu. Creio que isso se deve ao fato de não ser fruto do pensamento teológico/científico ou ainda epistemo-filosófico. Neste caso, o “post” que se forma nessas linhas emoldura o sentimento, a esperança e a felicidade por dias que não me pertencem de forma direta, mas já são meus também indiretamente falando.
Dias atrás recebemos (eu e minha digníssima esposa) um telefonema de um dos pouquíssimos amigos que tenho (dos três que me suportam como amigo). Ele de forma abobalhada, e não poderia ser sob outra forma, afirmava que o exame de gravidez de sua esposa, enfim, dera positivo. Isso tudo no auge de seus 10 meses de casamento. Quanta fome, quanta fertilidade, quanta felicidade!
Esse resultado, agora noticiado, veio entregue com um enfático pedido de que fosse comentado no blog. Aqui, mesmo em atraso, me proponho a fazê-lo, meditação sobre Filhos e Paternidade.
Em si, o conceito biológico de procriação é a força “mestre” que permite o desenvolvimento de uma espécie. Todos os organismos têm uma necessidade de reproduzirem, caso não ocorra, o processo de extinção torna-se irrevogável. O processo, sob o prisma biológico, chega a ser impessoal, porém, a realidade da paternidade não é apenas condizente com os pais, mas o próprio grupo se faz enriquecido com a reprodução e as variações que são permitidas. Tais variações, tanto enriquecem a espécie com suas variações genotípica e/ou fenotípicas, como também enriquecem a espécie com as trocas sob interações sociais que os organismos desenvolvem com os de igual espécie, ou mesmo com espécies distintas, e ainda com o próprio ambiente em que o grupo encontra-se inserido.
Na espécie humana, a paternidade e a reprodução, ganham padrões metafísicos. Tais padrões são observados na necessidade e esperança de transição de um mundo físico. Aqui, analiso um texto alocado no Segundo Testamento, no livro de Marcos 1,11.
Mc 1,11 – “E ouviu-se uma voz dos céus, que disse: Tu és o meu Filho amado em quem me comprazo”.
Nós, os pais (ou futuros pais), afrontados por um mundo que se mostra envolto pela violência, tornamos o medo uma realidade asfixiante para nossas vidas. Deus tinha a plenitude do conhecimento sobre a humanidade, já que é atemporal, observou todas as degradantes formas de violência que o domínio humano sobre a terra apresentou. Mas, mesmo sob a realidade que se mostrava a seus olhos, ele permite que seu filho exista. O primeiro pensamento do pai é este: saber que o mundo é antes de seu filho, e seu filho deverá sobreviver a este mundo. O próprio feto já é um sobrevivente por passar pela adversidade do coito, da fisiologia do útero, da aleatoriedade dos espermatozóides. Por si só, fecundar já é uma vida de aventuras. Mesmo que se discuta ser o embrião um “ser vivo” ou não, ele, como grupo celular já resiste, de forma exemplar, as adversidades de uma vida “intra-uterina”.
Ser pai é saber que o filho não será sobrevivente, ele já o é, uma sobrevivência que centenas de milhares não resistem.
O parto é um momento de alegria e tristeza. Alegria pela libertação. O feto – agora promovido a recém-nascido - era a mãe, agora, jamais será mãe. Ele agora é sozinho, por sua própria conta e risco. Tristeza por marcar a solidão de afastarem-se, cada dia mais, daquele que um dia foi da mãe e era a própria mãe. A partir do parto, o filho se separa e se faz feliz por ter autonomia, porém, se faz triste por ser esta uma caminhada solitária. Aí o pai olha impotente, pois por mais que seja sua vontade suportar todas as dores – e sabemos quão dolorosa a vida pode ser – o filho agora está sozinho. Restam nossas orações e esperança.
Como nós, o filho agora caminha seu próprio caminho. Volta e meia ele recebe nossos auxílios, comentários, retaliações e reprimendas. Ainda sim, serão dele a última palavra. Nada podeis fazer. Mal sabe ele que o que tu dirás, é dito pelo bem que queres a ele. Afinal, ao olhar para ele verás a você mesmo. Biologicamente, verás seu código gênico, metafisicamente verás uma expressão autônoma que recebe informações diretamente da fonte que é você, os pais.
O texto escolhido marca o início do ministério de Jesus, o ideal planejado pelo próprio Deus, depois, o Cristo se retiraria para o deserto. Deus sabia do que viria, mesmo assim, sabendo das dificuldades que viriam a se impor sobre seu filho, Deus declara que se alegra com ele. Eventualmente nossos filhos optarão por caminhos que não gostamos, caminhos que claramente se apresentam tortuosos e ásperos à caminhada. O papel paterno se dá ao vislumbrar este cenário e inspirar confiança no filho. Este será o seu filho amado, é nele que se deve ter alegria.
Ser pai, amigo, é ter um espelho do paradoxo que cresce a cada dia mostrando suas próprias características e, mesmo se distanciando da fonte original, aproxima-se, pois vemos no filho a nós mesmos.
Minha alegria, amigo, é a sua alegria, afinal, já não somos dois. Esses amontoados de anos nos aproximam de tal forma que a surpresa da noticia é minha surpresa, o desespero e preocupação pelos dias que hão de se aproximar também me pertencem. Os inúmeros fios grisalhos que denunciaram as noites mal dormidas estarão também comigo. E este filho, que também é meu filho, é nosso amado, e nele haveremos de ter alegria.
Conte sempre conosco...
Thiago Barbosa
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