A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

terça-feira, 6 de abril de 2010

olhar escatológico sobre a liberdade, o homem e a responsabilidade

Zé e o parto do construto humano em liberdade total.

Nascimento é trauma profundo, íntimo e inesquecível. Assim foi com todos nós e não foi diferente com Zé. Nascido de parto natural pôs-se logo no parto a romper com as amarras da submissão aos homens e rasgou útero a fora. Vulva, grandes e pequenos lábios, placenta e, por último cordão umbilical. Assim foi Zé, libertando as amarras que o seguravam ainda no mundo interior da barriga materna. Infelizmente o mundo apresenta mais resistência que o útero.


Fezes, urina e vômito, talvez sejam estas as mais puras e ideais produções humanas. Todos fazem, todos produziram. Com Zé nada de novo se fez, ele era em si fezes, urina e vômito. Mas Zé, libertador por natureza, um dia se viu às voltas das prisões de seus dejetos fisiológicos. Plástico, elásticos, poliuretano, espumas absortivas, fraldas, fraldas e mais fraldas. Prisão, carceragem fisiológica dos dejetos puramente produzidos pelo homem, por Zé. Esta foi sua primeira prisão.


O desenvolvimento é inevitável. Crescemos, progredimos, tornamo-nos homens adultos, maduros, socialmente concebidos. Mas, até o ápice há as reprimendas oriundas da educação formal. Escolas são prisões do senso libertário do homem, Zé é novamente encarcerado. Sua urina e fezes continuavam sendo produzidas. Seu mais genuíno construto, fezes e urina, Zé reprimia ao ouvir os gritos vociferados das professoras. Controle-se Zé! Não é hora de banheiro! Como assim não é hora de banheiro? Minha produção, única produção genuinamente minha e, não é hora? Zé calou-se por anos a fio.


Décadas passadas. Zé ouvindo reprimendas quanto ao seu mais genuíno produto. A vontade de usar o banheiro é gigantesca e, o aperto, é uma sensação que castra até mesmo os pensamentos e possibilidades mais banais. Como produzir algo na escola quando, meu único produto genuíno é enxovalhado e maldito pelos próprios manufatureiros do conhecimento humano. Anos no ensino, anos nas escolas, vários, quase incontáveis professores e, Zé, o produtor de urina e fezes, amordaçado pelo sistema.


A faculdade chega, é libertária dos grilhões impostos por anos a fio. Zé, nosso personagem mítico-literário, entrega-se aos arroubos do conhecimento. Anos de conteúdos onde, enfim, a liberdade e a autonomia imperam de forma plena em fúria e prazer. Quem nunca experimentou do magistral sabor que provém da autonomia humana, da sua própria capacidade de criar e, principalmente, de não se envergonhar do construto de seu ventre, não sabe a psicose que invade a mente de Zé. Envergonhar-se do construto humano é temer um filho gestado aos tropeços. Esse construto torna-se motivação mor da própria existência humana, e é assim, nessa overdose cognitiva de possibilidades para as experiências libertárias das ações humanas que Zé percebe ser abduzido por seus pensamentos. Ao fundo ele ouve como que um sussurro inebriante. É a voz de seu professor, aquele mais querido, mais libertador, dizendo com uma força harmoniosa, palavras das quais se é impossível fugir. Liberta-se Zé! Desprenda-se, lembra-te de tudo que sempre lhe arrepiou, constrangeu, exortou, tolheu, aleijou! Zé, esta é a sua chance, talvez única!


Zé, abduzido pelos sussurros inebriantes de seu amado mestre, se vê em uma viagem psicodélica, repleta e plena em luzes estroboscópicas e intermitentes. Chegando à sua mais terna infância, lembrou-se de como se orgulhava de seus construtos fisiológicos, via-se admirando embasbacadamente suas fezes e urina. Sem irmãos, sem amigos, sem pais, sua obra reprimida pelo plástico e espuma de absorção das fraldas infantis. Nas escolas pelas quais passou percebeu sempre um descaso de suas professoras. Posso ir ao banheiro? Não! Nunca! Não sabe se controlar?! Zé, reprimido, de nada se orgulhava, a não ser de seus dejetos. Ao fundo o sussurro em sua mente tornava-se a cada instante mais passional. Liberta-se Zé!


Como quem se recupera de um coma duradouro como a própria vida, Zé, agora liberto, abre vagarosamente os olhos. As vistas, ainda embaçadas do longo período em transe; Zé recupera-se lentamente. Um estampido alto e isolado, iniciado na ala norte da sala, chama sua atenção. Logo não se trata de um estampido isolado, mas sim de vários estampidos que, copiosamente se unem em uma salva de palmas. Assobios, gritos de vivas e mais aplausos, estão todos, professor e alunos, saldando o mais novo liberto da sala. Zé respira fundo e sente o cheiro ocre-doce que emana de suas calças, sente o calor molhado em seu jeans e a sensação tátil pastosa em sua nádega. Aliviado, Zé esboça um sorriso maroto, reprimido por toda a sua vida, e quem sabe pelas vidas passadas também. Seu professor, o mesmo que sussurrava sua sentença de libertação em seu transe, põe-se de pé sobre a cadeira e a plenos pulmões exalta gritos de bravos e aleluias. No fim de seus gritos, com alunos atônitos a se entreolharem, o mestre brada com todos: “Zé, meu querido Zé, orgulhe-se! Isto que trazes contigo é teu construto, produto autêntico de tuas entranhas e de tuas possibilidades. Hoje queridos, vocês aprenderam, com magnífica potencialidade, o verdadeiro conceito de construto humano, autonomia e liberdade. Estão prontíssimos para nossa próxima lição, tão importante e libertadora como esta que presenciaram agora, veremos sobre as forças titânicas da RESPONSABILIDADE.



Thiago Barbosa

4 comentários:

  1. Sua autoria querido amigo?

    Ao que vejo, não consigo definir qual momento mais duro, se a libertação, se a responsabilidade. No entanto, creio ser a libertação o mais duro dos pesares, afinal libertar-se significa andar sozinho e deixar os grilhões do pré-estabelicido para tráz. E como sabemos, toda ruptura se concretiza num dustúrbio do CAOS.

    Pensem com autonomia

    Alan Buchard

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  2. Uma visão bastante cômica e não tão menos curiosa e real de nossas ações. A autonomia é fundamental para o nosso crescimento, porém com ela, vêm o ônus da responsabilidade inerente ao ato da nossa individualidade. Somos livres para fazermos nossas conclusões...expôrmos nossa visão de mundo, urinar e defecar em nossas próprias calças. Agora, como seres competentes que somos (pelo ethos batista), nada mais justo do que aprendermos a nossa próxima lição: limpármos nossos excrementos...

    Parabéns pelo seu lado poético querido leitão...rs

    Diogo Barbosa

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  3. ...e nessas páginas, cagamos juntos, não é mesmo?

    Jonathan

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  4. Borro-me, a cada dia mais...só espero nao respingar nada em ninguém, a menos que seja este fatídico "melado" também interessado em meus dejetos...rs...

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