Penso em teologia, mesmo em estado de torpor mental que as férias me induzem. Estou às voltas com um subversivo da Alemanha, e quem me dera fosse eu idealista o suficiente para ao menos almejar ser como ele. Bonhoeffer, o subversivo.
Sempre tive um chamado para a crítica à instituição religiosa, seja ela qual for. Mesmo sendo membro ativo e efetivo de uma a maior parte de minha medíocre vida sempre pensei e fiz teologia. Acho que só se pode ser cristão dessa forma, pensando e fazendo teologia, não a teórica de gabinete, mas a prática do discurso e da ação “inloco”. E em minhas buscas pela essência do cristianismo efetivo me deparei com um livro no mínimo intrigante, Na capa a foto de Dietrich Bonhoeffer, óculos, calvície proeminente, ar de estudioso, meio sorriso, frio e misterioso como todo autêntico europeu setentrional o deve ser. Mas a tensão se faz quando você percebe que todas as suas dúvidas também foram as dúvidas deste resistente.
Aqui transcrevo duas páginas que me tiraram o sono, e ainda tiram, de um homem que se permitiu a dúvida sobre os caminhos da religião, do cristianismo e da teologia. Deleitem-se.
Dietrich Bonhoeffer – Resistência e Submissão (cartas e anotações escritas na prisão)
O que me ocupa incessantemente é a questão: o que é cristianismo ou ainda quem é de fato Cristo para nós hoje. Foi-se o tempo em que se podia dizer isso para as pessoas por meio de palavras – sejam teológicas ou piedosas; passou igualmente o tempo da interioridade e da consciência moral, ou seja, o tempo da religião de maneira geral. Rumamos para uma época totalmente arreligiosa; as pessoas, sendo como são, simplesmente não conseguem mais ser religiosas. Também aquelas que sinceramente se dizem “religiosas” de modo algum praticam o que dizem; portanto, é provável que com o termo “religioso” estejam referindo-se a algo bem diferente. Porém, toda a nossa pregação e teologia cristãs de 1.900 anos baseiam-se no “a priori religioso" das pessoas. O “cristianismo” sempre foi uma forma (talvez a verdadeira) da “religião”. Ora, se um dia evidenciar-se que esse “a priori” nem existe, mas foi uma forma de expressão historicamente condicionada e passageira do ser humano, se, portanto, as pessoas tornarem-se radicalmente arreligiosas – e acredito que em maior ou menor grau esse já seja o caso – então o que isso significa para o “cristianismo”? Tiram-se as bases de todo o nosso “cristianismo”, da maneira como existiu até agora; e restam apenas alguns poucos “últimos cavaleiros” ou um punhado de pessoas intelectualmente desonestas que ainda aceitariam uma abordagem “religiosa”. Acaso seriam esses os poucos eleitos? Devemos atirar-nos, zelosos, rancorosos ou indignados, precisamente sobre esse grupo suspeito de pessoas para vender-lhes nossa mercadoria? Devemos assaltar um punhado de pessoas infelizes num momento de fraqueza e, por assim dizer, violentá-las religiosamente? Se não quisermos nada disso e se, por fim, tivermos de considerar a forma ocidental do cristianismo apenas como um estágio preliminar de uma arreligiosidade total, que situação surge então para nós, para a igreja? Como poderá Cristo tornar-se o Senhor também dos arreligiosos? Existem cristãos arreligiosos? Se a religião é apenas uma roupagem do cristianismo – e também essa roupagem teve aspectos muito diferentes em diferentes épocas – o que seria então um cristianismo arreligioso?
Sim, isso me pertuba, me persegue, me atormenta, me conclama, me estarrece, me confronta, me afronta e dita o ritmo de meus dias na teologia acadêmica e cotidiana. Mas, se para você tais palavras nada transmitem, não causam insônia, urticária, desinteria, soluço, calafrios e mau-súbito de toda a natureza, fica minha sincera pergunta: Você é verdadeiramente cristão?
Thiago Barbosa
Sempre tive um chamado para a crítica à instituição religiosa, seja ela qual for. Mesmo sendo membro ativo e efetivo de uma a maior parte de minha medíocre vida sempre pensei e fiz teologia. Acho que só se pode ser cristão dessa forma, pensando e fazendo teologia, não a teórica de gabinete, mas a prática do discurso e da ação “inloco”. E em minhas buscas pela essência do cristianismo efetivo me deparei com um livro no mínimo intrigante, Na capa a foto de Dietrich Bonhoeffer, óculos, calvície proeminente, ar de estudioso, meio sorriso, frio e misterioso como todo autêntico europeu setentrional o deve ser. Mas a tensão se faz quando você percebe que todas as suas dúvidas também foram as dúvidas deste resistente.
Aqui transcrevo duas páginas que me tiraram o sono, e ainda tiram, de um homem que se permitiu a dúvida sobre os caminhos da religião, do cristianismo e da teologia. Deleitem-se.
Dietrich Bonhoeffer – Resistência e Submissão (cartas e anotações escritas na prisão)
O que me ocupa incessantemente é a questão: o que é cristianismo ou ainda quem é de fato Cristo para nós hoje. Foi-se o tempo em que se podia dizer isso para as pessoas por meio de palavras – sejam teológicas ou piedosas; passou igualmente o tempo da interioridade e da consciência moral, ou seja, o tempo da religião de maneira geral. Rumamos para uma época totalmente arreligiosa; as pessoas, sendo como são, simplesmente não conseguem mais ser religiosas. Também aquelas que sinceramente se dizem “religiosas” de modo algum praticam o que dizem; portanto, é provável que com o termo “religioso” estejam referindo-se a algo bem diferente. Porém, toda a nossa pregação e teologia cristãs de 1.900 anos baseiam-se no “a priori religioso" das pessoas. O “cristianismo” sempre foi uma forma (talvez a verdadeira) da “religião”. Ora, se um dia evidenciar-se que esse “a priori” nem existe, mas foi uma forma de expressão historicamente condicionada e passageira do ser humano, se, portanto, as pessoas tornarem-se radicalmente arreligiosas – e acredito que em maior ou menor grau esse já seja o caso – então o que isso significa para o “cristianismo”? Tiram-se as bases de todo o nosso “cristianismo”, da maneira como existiu até agora; e restam apenas alguns poucos “últimos cavaleiros” ou um punhado de pessoas intelectualmente desonestas que ainda aceitariam uma abordagem “religiosa”. Acaso seriam esses os poucos eleitos? Devemos atirar-nos, zelosos, rancorosos ou indignados, precisamente sobre esse grupo suspeito de pessoas para vender-lhes nossa mercadoria? Devemos assaltar um punhado de pessoas infelizes num momento de fraqueza e, por assim dizer, violentá-las religiosamente? Se não quisermos nada disso e se, por fim, tivermos de considerar a forma ocidental do cristianismo apenas como um estágio preliminar de uma arreligiosidade total, que situação surge então para nós, para a igreja? Como poderá Cristo tornar-se o Senhor também dos arreligiosos? Existem cristãos arreligiosos? Se a religião é apenas uma roupagem do cristianismo – e também essa roupagem teve aspectos muito diferentes em diferentes épocas – o que seria então um cristianismo arreligioso?
Sim, isso me pertuba, me persegue, me atormenta, me conclama, me estarrece, me confronta, me afronta e dita o ritmo de meus dias na teologia acadêmica e cotidiana. Mas, se para você tais palavras nada transmitem, não causam insônia, urticária, desinteria, soluço, calafrios e mau-súbito de toda a natureza, fica minha sincera pergunta: Você é verdadeiramente cristão?
Thiago Barbosa
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