A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cristãos com insônia? Só os autênticos.

Penso em teologia, mesmo em estado de torpor mental que as férias me induzem. Estou às voltas com um subversivo da Alemanha, e quem me dera fosse eu idealista o suficiente para ao menos almejar ser como ele. Bonhoeffer, o subversivo.

Sempre tive um chamado para a crítica à instituição religiosa, seja ela qual for. Mesmo sendo membro ativo e efetivo de uma a maior parte de minha medíocre vida sempre pensei e fiz teologia. Acho que só se pode ser cristão dessa forma, pensando e fazendo teologia, não a teórica de gabinete, mas a prática do discurso e da ação “inloco”. E em minhas buscas pela essência do cristianismo efetivo me deparei com um livro no mínimo intrigante, Na capa a foto de Dietrich Bonhoeffer, óculos, calvície proeminente, ar de estudioso, meio sorriso, frio e misterioso como todo autêntico europeu setentrional o deve ser. Mas a tensão se faz quando você percebe que todas as suas dúvidas também foram as dúvidas deste resistente.

Aqui transcrevo duas páginas que me tiraram o sono, e ainda tiram, de um homem que se permitiu a dúvida sobre os caminhos da religião, do cristianismo e da teologia. Deleitem-se.

Dietrich Bonhoeffer – Resistência e Submissão (cartas e anotações escritas na prisão)

O que me ocupa incessantemente é a questão: o que é cristianismo ou ainda quem é de fato Cristo para nós hoje. Foi-se o tempo em que se podia dizer isso para as pessoas por meio de palavras – sejam teológicas ou piedosas; passou igualmente o tempo da interioridade e da consciência moral, ou seja, o tempo da religião de maneira geral. Rumamos para uma época totalmente arreligiosa; as pessoas, sendo como são, simplesmente não conseguem mais ser religiosas. Também aquelas que sinceramente se dizem “religiosas” de modo algum praticam o que dizem; portanto, é provável que com o termo “religioso” estejam referindo-se a algo bem diferente. Porém, toda a nossa pregação e teologia cristãs de 1.900 anos baseiam-se no “a priori religioso" das pessoas. O “cristianismo” sempre foi uma forma (talvez a verdadeira) da “religião”. Ora, se um dia evidenciar-se que esse “a priori” nem existe, mas foi uma forma de expressão historicamente condicionada e passageira do ser humano, se, portanto, as pessoas tornarem-se radicalmente arreligiosas – e acredito que em maior ou menor grau esse já seja o caso – então o que isso significa para o “cristianismo”? Tiram-se as bases de todo o nosso “cristianismo”, da maneira como existiu até agora; e restam apenas alguns poucos “últimos cavaleiros” ou um punhado de pessoas intelectualmente desonestas que ainda aceitariam uma abordagem “religiosa”. Acaso seriam esses os poucos eleitos? Devemos atirar-nos, zelosos, rancorosos ou indignados, precisamente sobre esse grupo suspeito de pessoas para vender-lhes nossa mercadoria? Devemos assaltar um punhado de pessoas infelizes num momento de fraqueza e, por assim dizer, violentá-las religiosamente? Se não quisermos nada disso e se, por fim, tivermos de considerar a forma ocidental do cristianismo apenas como um estágio preliminar de uma arreligiosidade total, que situação surge então para nós, para a igreja? Como poderá Cristo tornar-se o Senhor também dos arreligiosos? Existem cristãos arreligiosos? Se a religião é apenas uma roupagem do cristianismo – e também essa roupagem teve aspectos muito diferentes em diferentes épocas – o que seria então um cristianismo arreligioso?

Sim, isso me pertuba, me persegue, me atormenta, me conclama, me estarrece, me confronta, me afronta e dita o ritmo de meus dias na teologia acadêmica e cotidiana. Mas, se para você tais palavras nada transmitem, não causam insônia, urticária, desinteria, soluço, calafrios e mau-súbito de toda a natureza, fica minha sincera pergunta: Você é verdadeiramente cristão?

Thiago Barbosa

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