“Ou como podes dizer ao teu irmão: Irmão, deixa-me tirar o argueiro que está no teu olho, não atentando tu mesmo para a trave que está em teu olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.” Ou ainda “Portanto tudo que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles; porque esta é a lei e os profetas.” A ética é um princípio humano, infelizmente vilipendiado pela religião, mesmo sendo constante sua aparição e exultação nos textos bíblicos. Assim a religião foi tomada como alienação dos direitos humanos, direitos que nos fazem iguais tanto entre os homens quanto entre os “deuses”. Esse é o uso do poder, esse é o uso da justiça, esse é o uso da ética sem a moral.
O uso do poder é intrínseco ao ser humano. “Darwinisticamente” o forte sobrevive, seja com a ação do ambiente, seja com a ação da autoridade vigente no grupo em que se insere. É assim que se traça a eterna luta dos animais pelo poder do grupo, assim, quando se detém o alimento, escraviza-se o mais fraco pelo estômago. O poder de deter o alimento nos torna tiranos e, para manter esse poder, despimo-nos da moral que nos torna humanos, da ética que nos torna cristãos religiosamente concebidos e, “maquiavélicamente” negociamos decisões por cristo em troca de cestas básicas. A sentença de Maquiavel é cáustica e indolente na mente e coração dos homens: “Quer conhecer o homem? Dá poder a ele.” Quanto tempo a religião se travestiu de bondade para que o poder fosse mantido? Mas a relação com Cristo subverte o poder instituído e torna-se um grito à responsabilidade pessoal de cada homem.
A justiça tornou-se utopia na sociedade impune do século XXI. Hoje, confunde-se justiça com lei. Justiça é o liquido que sacia a boca ressequida do que foi vitimado, mas hoje há a negociata, os arranjos, os trâmites legais, as verificações de pena, as liberdades provisórias, os regimes semi-abertos. Enquanto isso, a boca vitimada sofre as dores perpétuas de não se ter o ente querido. São fendas intransponíveis que teimam em abrir, rasgar, dilacerar aqueles que clamam pelo refrigério da justiça e só recebem a salmora da lei. Salobra, Morna, repulsiva, assim é a lei nesses dias em que a utopia é clamar por justiça. O grito da sociedade é o grito choroso do salmista: “Quem me dera de Sião viesse a salvação.”
Ah! Acho que já ouvi falar da ética. Não era ela uma lenda, uma representação mítica dos deveres dos homens para com os homens? Acho que hoje ela, lendária e falseada, é reclusa aos dizeres infantis, aos diálogos de heróis, aos discursos dos deuses. Mas devo dizer que gostaria de conhecer a ética, afinal, se ela realmente existiu já se foi, e em seu lugar restou o homem que assume seu egoísmo como necessidade de toda uma comunidade. A ética foi travestida, tornou-se uma marionete, risonha, colorida, alegre, mas que, ao não ter as mãos dos que se põem a manipulá-la, é morta, é inerte, é sombra e lembrança do que já foi um dia. Já houve ética, mas quando a consciência humana foi queimada em sacrifício ela se foi, atrelada ao sangue sacrificado da consciência humana.
Resta ainda uma sombra de desejo. O mais puro desejo humano de que ressuscitem sua consciência; de que seu cérebro não mais seja sobrepujado. Assim talvez a consciência ressurja; a ética renasça; a justiça floresça; o poder enfraqueça; e nós aprendamos o que é viver o cristianismo.