A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

sábado, 1 de maio de 2010

Do retorno


Volto para lugar que durante anos me assentei para escrever, pensar, chorar. Pouco mais de um ano se passou para que eu aqui retornasse. Pouco mais de um ano, e tão vastas mudanças!

O tempo, que em si mesmo não existe, mas que assim mesmo contamos, não transcorreu muito, até relativamente pouco; alguns espaços de dias, semanas, meses. Nesse tempo deixei de ser criança e me transformei em homem. A infantilidade das conversas, a imaturidade das perguntas, a inocência do choro, a pirraça do desejo não atendido, tudo, foi trancado no baú da infância. O que está aberto, dolorosamente escancarado, é o baú da maioridade.

No caminho da maioridade, os açoites não cessam de flagelar minhas costas, e o sangue é sempre fresco. Os pés, sempre cansados, por vezes vacilam, ou até mesmo param; porém, basta um único segundo no ócio e a chibata ressoa novamente em minhas costas. As lágrimas costumam molhar o seco chão por onde passo, e diferente de antes, elas sabem o motivo de sair de meus olhos. Neste caminho, a solidão é minha única companheira.

No curto espaço de dias, semanas, meses, tudo, absolutamente tudo, mudou. Fui arrebatado. O mundo mudou. As verdades fugiram. O oráculo silenciou. Adentrei um caminho, me aprofundei nele, fui engolido por ele, e nele, minhas abstrações cresceram. E minha mente já não podia descansar no pensamento de voltar atrás. Não, já tinha ido longe demais!

Neste caminho, no meio da escuridão, eu gritei. Sim, gritei ao Deus do oráculo que antes me respondia. Silêncio. Ele nada respondeu. Gritei ainda mais, desafiei-o. Silêncio. Como se não fosse suficiente, injuriei teu nome na esperança de que se enraivecesse e então quebrasse o silêncio. Engano. Tudo era... silêncio. O ensurdecedor silêncio congelava meu rosto com a dúvida de Sua existência. Bem que quis, mas não podia parar no silêncio. Meus pés voltaram a ressoar.

Neste tempo, as pessoas se afastaram de mim, ou melhor, eu, delas. Bem que podia conviver com suas visões bipolares, e pretensiosas. Mas não, tive que me afastar. Covarde ou corajoso? Vilão ou herói? Tento ainda responder, mas é difícil encontrar uma resposta. Só não pude me permitir algo: o furto de minha dignidade. Por isso, nesse tempo todos os que presunçosos julgavam já não mais me atraíam. E de suas companhias me abstive. Se elas são simples demais ou eu complexo demais, também não consigo responder!

Nesse pouco mais de um ano, a imagem de meu espelho mudou. Já não é mais aquele “serzinho” de alguns poucos anos de idade que vejo, mas alguém que as costas começam a encurvar, e as pernas a tremer. Eu pergunto para o tão límpido espelho: “onde estão as respostas?”, ele, nada responde. Arremesso ele contra a parede. Estilhaça. Pra nada presta!

Foram cruéis comigo, neste tempo! Não me pouparam a crítica, não me deixaram com a venda. Sacudiram-me; arrancaram minhas pálpebras, e por mais que tente, é impossível fechar os olhos. Empurraram-me num abismo, o mais profundo de todos. E nem se quer deixaram uma corda para que eu tentasse voltar à superfície. Enquanto chorava na escuridão, gritaram: “pare de pirraça, tu não és mais criança”. Engoli o choro! Levantei-me e continuei a caminhar, tal como cego, um cego sem pálpebras.

Neste tempo, pouco mais de um ano, errante pelo caminho, descobri de quem era as pegadas que vinham atrás de mim. As pegadas daquele que me atormenta, daquele que não me deixa voltar atrás, que não me deixa parar, que me empurra no abismo. Descobri que as pegadas eram de meu carrasco, do meu malfeitor. Descobri que as pegadas eram do Conhecimento, sim, dele, meu carrasco Conhecimento!

Alan Buchard

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