A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

sábado, 13 de novembro de 2010

Resumo e comentário sobre: Diacronia – os métodos histórico-críticos (Horácio Simian-Yofre)

O autor inicia expondo a notável importância que o método histórico critico teve no desenvolvimento de uma pesquisa bíblica série e expõe a teorização dos três termos que compõem e formam o nome dessa metodologia exegética.

O método é a possibilidade de revisitar e reprisar o desenvolvimento de uma determinada pesquisa. Sua descrição assemelha-se à apresentação de David Hume sobre o empirismo e mostra a importância de que, utilizando-se os mesmos métodos propostos, possamos alcançar os mesmos “resultados”, o que caracteriza o alto teor de cientificismo necessário para o desenvolvimento do método. Já no aspecto histórico, vemos a necessidade de se “ler” e “interpretar” o texto bíblico com os critérios peculiares do tempo de escrita e leitura, a interpretação própria dele. Deve haver o cuidado de não acessar o texto passado com os olhos atuais, mas sim buscando a realidade que emerge da aplicação histórica na comunidade em que se estuda. De certo modo é a tentativa de preservar a intenção do autor e a intenção do leitor. A crítica é a perspectiva de remontar valores, estabelecer distinções e, com base nelas, poder tecer julgamentos a respeito do texto, eventualmente o próprio exegeta está imerso em valores pessoais que deixa contaminar o estudo textual em desenvolvimento. Assim, todo método nasce ligado aos cordões das pré-compreenssões culturais.

Como toda metodologia, não sendo diferente com o método histórico-critico, há condições limítrofes. Entre as quais são citadas: 1) a dificuldade de estabelecer relação com outros resultados válidos; 2) a disparidade entre as propostas da metodologia quanto ao texto bíblico, e sua “releitura histórica”, em relação com a proposta mítico-religiosa para com o texto bíblico e sua realidade salvífica; 3) a incapacidade de aproximação entre texto e leitor em um âmbito atualizado.

No aspecto da práxis usual da metodologia exegética histórico-critica, o autor assemelha-se a Gehard Haesel em sua obra sobre a metodologia do Antigo Testamento, o termo “método histórico-crítico” ganha uma conotação de hiperônimo, sendo constituído por uma gama de outras propostas metodológicas que sustentaria esse gênero metodológico maior. Desta forma, a crítica da constituição do texto, a crítica da redação e da composição, a crítica da tradição e das fontes, entre outras. Todas são hipônimos em relação ao hiperônimo que é o método histórico-crítico.

Fabio Py Murta de Almeida, em comunicação feita no IV Congresso Internacional de Ciências da Religião aponta para uma necessidade de repensarmos o termo hiperônimo método histórico-critico e, com base em propostas de escolas da história, caminharmos futuras pesquisas usando termos como: 1)método histórico-redacional; 2)método histórico-social; 3) método histórico-cultural. Apoiado em eruditos como Klaus Berger, Rainer Kessler e Paul Ricouer.


Thiago Barbosa

A pedidos de Teresa Akil: Meditando sobre o "o temor de YHWH"

“O temor de Javé é o princípio do saber, porém os idiotas desprezam a sabedoria e a disciplina”.

1 – A pessoa não deve se contentar com o que sabe, mas transformar o próprio saber em busca e abertura para um saber maior, que traga realmente mais vida para sai e para os outros.

O contentamento com o que se sabe é o desprezo pela própria busca da vida. O ser humano deu-se como grandeza orgânica por sua busca por interação e conhecimento de todo o ambiente que o cerca. De igual modo as relações humanas se desenvolveram na expectativa de que todas as interações entre os humanos os fizessem conhecer ao outro (próximo) de modo a compreendê-lo e ajudá-lo. Assim, contentar-se com o conhecimento que já se tem é assumir a limitação de sua busca pela compreensão e auxílio ao próximo. Utilizando da metodologia alegórica para interpretar o verso “ama ao teu próximo como a ti mesmo”, notamos que se ater ao conhecimento que se tem e negligenciar a busca pelo conhecimento do próximo é negligenciar a recomendação de Jesus nesse mesmo verso e, de igual modo, negligenciar a urgência humana de estabelecer a busca de interação com o semelhante e assim conhecê-lo, percebendo uma expansão de horizontes das nossas possibilidades. A visão de mundo que outrora se mostrava embrutecida, diminuta, enviesada, agora com a perspectiva holística da busca pelo conhecimento, vemos um mundo aberto, colorido, em plena expansão, com a percepção de vida que vem do próximo.

O temor de Javé, ou, a reverência quanto aos princípios de Deus, mostra-se caminho unidirecional para a o conhecimento do próximo, ou, é o princípio do saber. O mundo abre-se sob a reverência que direciona a busca pelo conhecimento. O saber torna-se a própria divindade ordenadora do mundo, sob ela, o caos social que eventualmente se levanta frente às hordas de violência são aplacadas. O ódio se esgota com o conhecimento pleno do fôlego divino no outro humano. É o conhecimento que permite ao homem concluir-se como parte formadora e integral de um mundo que se esvai sob os perigos das catástrofes ecológicas e, esse mesmo homem, dispõe-se a entender, interpretar e agir mediante o caos que se instala climaticamente. No mundo, o conhecimento se mostra como ordenadora do caos social instalado, e, na percepção de que somos todos e tudo o mundo, e, portanto, reverenciar os princípios de Deus (Javé) é o início do conhecimento (saber).

Javé e saber, Deus e conhecimento; quando percebermos que uma grandeza (divindade) não exclui – necessariamente - a outra, perceberemos quanto tempo perdemos, quanto conflito geramos, quanto suor vertemos, quanto sangue derramamos, por apenas sermos tolos em não percebermos o conhecimento e, o fôlego divino, que emana do nosso co-igual humano. Seja qual for; de onde for e, como for.


Thiago Barbosa

Meu primeiro discurso em formatura

“Minha consciência está presa nas palavras de Deus, não posso nem quero retratar-me de nada, porque agir contra a consciência não é prudente nem íntegro”. (Lutero, perante o príncipe Carlos V, em Worms)

Ao contrário do que qualquer fundamentalista religioso possa apontar, a ênfase dessa frase centraliza toda a reforma protestante e toda a cultura ocidental desde o século XVI. A consciência foi força motriz para o protesto em Lutero. Não estou usando este personagem para fins religiosos, mas devo lembrar-lhes que este monge era exímio professor e pesquisador. Portanto, remetendo-me às suas palavras lembro-me da minha condição de professor e pesquisador, e, aí sim, devo recitar diariamente sua frase, nesse momento de lembrança dos anos que passamos sob a tutela da educação. Vocês e eu, ambos somos aqui professores e alunos, pesquisadores e pesquisados na grandeza que é a educação.

Devo primeiramente dizer do meu espanto ao ser lembrado por vocês, carinhosamente pelo que me disseram (embora ainda pense que posso ter traumatizado tantos de vocês), afinal, nas gerações mais jovens, que têm duração de 4 a 6 anos até serem reformuladas, tendemo-nos a esquecer de muitas coisas. Ainda mais numa cultura desmemoriada dos brasileiros, lembrar de pessoas não seria a prioridade, por isso, fico enormemente envaidecido e agradecido pela lembrança. Aí, tanto eu quanto vocês separamos essas festividades, tão merecidas no fim de ano, para lembrarmos-nos de tudo o que vivenciamos em especial na caminhada pelo COC-PALMAS.

Lembro-me perfeitamente da chegada de vocês, crianças ainda, assustados, tanto com a nova escola que se gabava (e ainda o faz) do nível e exigência para com seus alunos (que agora seriam vocês), quanto com o professor extremamente “mal-encarado”, de pouquíssimos sorrisos e afamado pelo rigor quanto à aprendizagem de todos (este fui eu). Seus piores sonhos tornaram-se realidade.

Pouco a pouco nos conhecemos melhor, eu fui aliviando o ritmo, ou será que foram vocês que foram percebendo a importância de entrar no ritmo? A ordem não se sabe. Bem, sei que após toda a seleção natural sobram os fortes. Nesse ponto todos somos fortes, sobrevivemos.

Claro, tiveram entre vocês aqueles que foram contrários à minha lembrança, sempre os há. E eles são tão importantes quanto os que concordaram entusiasticamente. Vou me defender de seus ataques. Todo o meu rigor, toda a minha exigência, todo o meu critério, dentro e fora de sala, nada mais são do que frutos de um apaixonado. Sim, sou um apaixonado pelo conhecimento, frustrado por não tê-lo, mas um eterno apaixonado. E deveria ser diferente? Nada é mais libertador que o conhecimento, vocês já começaram a perceber isso, mesmo com pouca idade, quanta independência se tem com a aprovação no vestibular; os pais são mais benevolentes, a família mais solícita, os amigos mais respeitosos; tudo pelo conhecimento. Mas, com o conhecimento arvora-se a responsabilidade e a certeza de que nunca se atinge o pleno conhecimento, apenas se busca por ele. Para quem tem fé e crê em Deus é mais ou menos o mesmo princípio. Busca-se com todas as suas forças, entrega-se com todas as suas forças, experimentação a sua ação, mas nunca, nunca mesmo têm-se a certeza de conhecer plenamente o que é Deus. Nesse sentido, o conhecimento é um deus, busca-se, entrega-se, experimenta-se, mas, no fim da caminhada têm-se a certeza de que o conhecimento, assim como Deus, é muito mais do que pensamos, estudamos, experimentamos. Mas a graça de tudo, tanto de Deus quanto do conhecimento, está na eterna busca. O que nos motiva é a fé, fé em Deus, mesmo com as dificuldades de se crer, fé no conhecimento, mesmo com a certeza de nunca obtê-lo plenamente. Meu rigor, minha disciplina, minhas exigências, meus estresses, todos são motivados pela minha busca apaixonada pelo conhecimento, pois só com ele se pode ser verdadeiramente livre.

Vocês perceberão que a paixão pelo que fazemos faz toda a diferença. Seja na religião, nos estudos, no amor; a paixão é a força mais extrema que se implica em realizar algo, é aquilo que nos queima o peito, sem a paixão nos falta o ar.

Ao estudar, e todos ainda continuarão a fazê-lo, façam não pelo rigor dos professores, pela imposição da escola, pelo falatório dos pais; mas sim pela paixão aos estudos. Sejam estudantes apaixonados, profissionais apaixonados, pais apaixonados, homens e mulheres apaixonados. Aqui concerto a teoria “darwinista”, não são os fortes que sobrevivem, são os apaixonados. São estes loucos apaixonados que vivem a vida, seja a vida longa ou curta, só vale a pena vivê-la com paixão, com sentimento, com intensidade. Carpe Diem (aproveite o dia).

Hoje é o dia das recordações, das avaliações. Façam comigo um último exercício:

1 – fechem seus olhos suavemente;

2 – respirem profundamente;

3 – tragam à memória cada dia de aula, cada professor, cada aluno, cada amigo, cada funcionário, cada conteúdo;

4 – percebam os momentos de alegrias e tristezas, broncas e elogios;

5 – respirem profundamente e respondam: Tudo isso valeu a pena?

Agradeço muito a paciência de me escutarem ainda mais essa vez. E espero sinceramente que tenha valido a pena. Para mim? Valeu, valeu muito a pena.

Saúde, paz e paixão para todos.

Thiago Barbosa

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Roberto Cabrini e a fenomenologia da religião


Segundo o professor de fenomenologia Antônio Mendonça, “a fenomenologia da religião pode ser vista num duplo sentido: uma ciência independente, com suas pesquisas e publicações, mas também como um método que faz uso de princípios próprios”
10]. A intenção deste texto é apresentar a fenomenologia da religião como método de pesquisa e, enquanto tal, William Paden a define como “o estudo das coisas em seus aspectos observáveis, contrapondo-se à sua causalidade”11]. Ou seja, é o estudo das causas religiosas através da observação das suas manifestações. Entretanto, a questão da causalidade é um pouco controversa. Assim, preferimos trabalhar com o conceito de idéias. Por trás das manifestações religiosas existem idéias que determinam o real significado da experiência para aquele que a experimenta.

Ângela Bello, professora de historia da filosofia em Roma, usa o termo “fenomenologia arqueológica”
12] para se referir a esse esforço em busca das idéias por trás dos fenômenos. Para ela, a fenomenologia é uma investigação regressiva que permite escavar no interior da consciência individual e coletiva, até alcançar o significado real da experiência religiosa. A análise fenomenológica é como o trabalho do arqueólogo. A partir de uma pequena evidência que aparece no solo, ele escava até descobrir grandes fósseis escondidos sob os seus pés. Os fenômenos ou manifestações religiosas são apenas pequenas evidências que se mostram. Cabe ao fenomenólogo intuir através delas até alcançar o seu significado mais profundo. Detrás de cada fenômeno há uma idéia, um significado. É essa idéia que a fenomenologia procura compreender. A pergunta mais básica no estudo fenomenológico é: “qual idéia cultural está por trás de cada fenômeno?” ( acessado em:http://instituto.antropos.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=549&Itemid=73 - 26/10/2010)

A experiência é a forma básica de aquisição de conhecimento. Nada chega ao nosso intelecto sem causar uma experiência pessoal, quer seja empírica ou existencial. A experiência existencial pode ser física, social, moral, metafísica ou religiosa. Assim sendo, a religiosidade está intimamente relacionada com a experiência, no caso, com o sagrado.

[10] Fenomenologia da Experiência Religiosa. In: CASTRO, Dagmar Silva Pinto de & Outros. Fenomenologia e Análise do Existir. São Bernardo do Campo: UMESP, 2000. p.142.
[11]
Interpretando o Sagrado. São Paulo: Paulinas, 2001. p.135.
[12] Culturas e Religiões. Bauru: EDUSC, 1998. p.13.
[13] Introdução à Fenomenologia Religiosa. Petrópolis: Vozes, 1983. p.106.




















Thiago Barbosa

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Na prepotência de comentar Adolphe Gesché - O Mal

COMENTÁRIO SOBRE ADOLPHE GESCHE EM: O MAL

O mínimo que se pode pensar ao acessar o texto de Adolphe Gesche é sua ambição, no mínimo homérica, ao dispor-se escrever sobre Deus e o MAL. Assunto que lenta e “homeopaticamente” é ministrado ao leitor e apresenta-se não como um manual sistemático – como é comum em inúmeros livros de teologia – mas sim como um ponto de reflexão profunda e inicial sobre o mal e seus desdobramentos na humanidade. Assim iniciamos a leitura do capitulo dois, DEUS NO ENIGMA DO MAL apresenta já no titulo a idéia de mesmo Deus, como divindade suprema, característica da religiosidade cristã, mostra inserida, por vezes mergulhada no próprio pensamento e idéias que surgem a respeito da idéia do MAL. O MAL é o temível, o impensado, intelectualmente é impensável estabelecer uma apologia do MAL. Assim, em suma, o MAL detém uma superdeterminação de seu caráter, isso não pode nos levar a cruzar os braços pedindo demissão, nem nos mergulhar em uma torrente de culpabilidade mortífera, A finalidade da reflexão de Gesche é entender bem o que é o MAL e medir bem a responsabilidade da humanidade sobre ele. É ir além de uma superdeterminação antropológica por meio de uma superdeterminação teológica, talvez não seja tão temerário abordar o MAL “Teo-logicamente”.

Usando o padrão Téo-logico e a abordagem proposta sob o texto de gênesis, é exposto o assombro, surpreso, do próprio Deus ao deparar-se com o MAL. Na narrativa de cosmogonia e antropogonia, o MAL é aquilo que não foi previsto, não foi criado, não é abordado ou descrito, apenas emerge, como se imanente do acaso e da casualidade. Nesse aspecto é irracional por sua falta de projeto e planejamento inicial. Sendo o MAL, fruto da casualidade cosmogônica e antropogônica do projeto divino e da existência humana, há uma premissa libertadora de possíveis inquietações sobre a própria culpabilidade que essa idéia traz à humanidade. Sim, aqui há a proposta de negarmos uma imediata culpabilidade sobre a estranheza do MAL, não é a imediata culpabilização que conduz do melhor modo à verdadeira responsabilidade, que é o questionamento mais emergente, e nesse sentido menos importante, ao ato do humano em relação ao que é o MAL. Quando não somos julgados culpados nos entendemos como libertos de uma cumplicidade nesse ponto imanente da qual ele poderia se crer impossibilitado de sair. É o espanto e a surpresa com o MAL que autentica uma futura e possível responsabilidade dos homens para com o MAL.

Pensando na surpresa e no espanto sob a idéia do MAL e em toda a falta de sistematização que há nessas duas idéias, nota-se que mesmo a teologia deve ser vilipendiada e realocada para um segundo momento, pois assumindo seu caráter explicativo e descritivo há de se perder o espanto e a surpresa do ideal do mal quando submetidos à teologia. Quando excluímos a culpabilidade humana do ideal do MAL e mesmo Deus mostra-se espantado e surpreso sob o MAL, vemos que, em termos filosóficos a irracionalidade é denominada demoníaca. Na questão de culpabilidade então, jaz colocada no seu verdadeiro local: o demoníaco. Não se trata nem de Deus, nem do homem. O MAL não é deste mundo, ele entrou aqui vindo de fora, ao menos, segundo Immanuel Kant. Com esse caráter demoníaco, o mal se revela de fato como pertencente não simplesmente a uma dificuldade, mas àquilo que podemos chamar de uma ordenação da desordem.

Com certeza, passa pelo pensamento que essa idéia do espanto, surpresa, talvez até alteridade que há do homem em relação ao MAL e, principalmente, a idéia do MAL ser tão alheia ao homem, como uma tentativa de minimizar o peso da responsabilidade que este homem tem na formulação e desenvolvimento da idéia do mal. Certamente não se trata de minimizar a culpabilidade nem de pensar, em uma sociedade, poder evitar a denúncia justa, a perseguição e a punição do culpado. E com certeza é importante estar atento a não se contentar em curar as feridas, pois isso seria insuficiente, mas é preciso pensar em reformas profundas. Acontece, porém, que acabamos não fazendo nem uma coisa nem outra, preocupados que estamos com a acusação. A culpabilidade, por mais real que seja não se encontra em posição radical e instauradora, e que ela é, portanto, nesse nível, relativamente fraca. Trata-se também, mais uma vez, de não colocar todo o problema em termos de culpabilidade e de atenuar a carga culpabilizadora. A vítima é nesse sentido um “deuteroculpado” por ter consentido com a ordem demoníaca do MAL. O homem, esse “deuteroculpado”, é seduzido pelo MAL. Nesse sentido fica mais evidente sua fragilidade. Não há nesse sentido maturidade suficiente que faça com que o homem resista à sedução proposta pelo demônio travestido sob a miragem inebriante do BEM. A fragilidade é exposta ao apresentar em gênesis um homem incapaz de discernir entre BEM e MAL. Ao assumir a sedução do MAL, o demônio tenta a humanidade tirando desta a possibilidade de entendimento, impetra em nós a incapacidade de refletirmos sobre nossos atos e, sob sedução, nos infringe o MAL.

Gesche apresenta que é preciso propor uma “des-moralização” do mal, pois o mal não deve ser abordado primeira e unicamente como um problema moral, mas como um problema de destino e objetivo. No moralismo há certos aspectos perversos, tal como o de pensar que a culpabilidade ocupa todo o campo da idéia do MAL. Não há apenas o aspecto da intencionalidade, o ideal de MAL ultrapassa essa idéia e pode chegar à justificação inconsciente do MAL. A tradição recorre ao MAL moral principalmente aos conceitos baseados na temática moral do MAL de culpabilidade, que acabou falhando em grande parte na sua verdadeira e específica abordagem. O MAL como desgraça não apresenta culpabilidade, embora nos a busquemos a todo custo. Assim, a des-moralização do problema do MAL não esvazia a culpabilidade, apenas a convida a situá-la de forma correta, mostrando que a culpa não é “atriz principal”, mas coadjuvante em relação à perversão mais radical.

Deus, em todo caso, se manifesta como adversário radical do MAL. Sua relação com ele é agonística, apresentando características de adversidade e de luta. Assim, o grito ateísta de um Deus que jaz quando em confronto facial com o mal é uma tentativa de salvaguardar a imagem de um Deus que se nega a ter comunhão com a idéia do MAL e todo o seu imaginário. Assim assumimos um Deus que se apresenta como o salvador, o que se dispõe contrario às artimanhas do MAL e vence-o. Já a figura do demônio é uma imagem exógena que ganha significado nas “lacunas” não preenchidas por Deus. Nesse sentido o MAL é a ausência do BEM, de igual modo como o demônio é o ideal antagônico de Deus.

A dogmática mostra que o MAL leva à perdição, estipulando um caminho aos que praticam e assumem a culpa. Portanto, a des-moralização e a re-dogmatização do MAL não nos afastaram das realidades do MAL. Ao contrário, elas nos ensinam até que a fome no mundo e as atrocidades da opressão têm a ver rigorosamente com a salvação do homem ou sua perda.

Buscando propor uma estrutura do mal, Adolphe Gesche aponta para uma topologia conceitual e ética (mal de culpa, mal de pena, mal de desgraça);topologia ontológica e gradual (mal de mal, mal de pecado, mal de paixão); topologia estrutural e seqüencial (actante-1 o ator, actante-2 o destinatário e actante-3 o terceiro auxiliar), todas propondo diversos níveis de desenvolvimento, bem como envolvimento e culpabilidade do homem com a idéia do MAL.

O texto caminha para seu fim propondo uma ação de salvação de Deus contra o mal e em favor do homem, passando por valores como a alteridade, a justificação e a absolvição. Assumindo a necessidade de uma mediação que se põe a debater sobre a justiça, que é um valor intacto e inerente à remissão e sobreposição do BEM contra o MAL. Assim a salvação se dá na integralidade do âmbito humano, por intermédio do homem e sob a supervisão do incansável do opositor ideal do MAL, o próprio DEUS.



Thiago Barbosa