Crer para viver: uma percepção dos
versos em João 20.30-31.
INTRODUÇÃO
O
texto referente ao Quarto Evangelho, tradicionalmente apontado como de autoria
joanina, é, notoriamente, o texto mais comprometido com a imagética de Jesus
como o messias, o Cristo, trazendo à tona cenas miraculosas de cura e de
aparições post mortis, com uma
perspectiva que nos parece referente à orientação profético-carismática, mas
agora com este personagem sendo reconhecido como o Filho de Deus.
O
presente trabalho se debruçará brevemente sobre os versos alocados em João
20.30-31; versos que anunciam o texto joanino como redação dos sinais feitos
por Jesus, e que estes relatados, em especial, foram redigidos para reforçar a
crença da comunidade em questão no messianismo de Jesus, bem como na sua
filiação divina.
Quanto
à metodologia que será aqui utilizada é reconhecida como histórico-crítica.
Usa-se da percepção diacrônica dos textos bíblicos, sendo, histórica pelo fato
de lidar com fontes históricas buscando determinar diversos estágios de sua
formação e crescimento até chegarem ao formato atual. Respeita, sobretudo, as
fontes construtoras do texto e seus estágios evolutivos. É crítica por
dispor-se a emitir uma série de juízos sobre os aspectos históricos que
alicerçam a construção da pesquisa. [1] Assim buscaremos encontrar
o uso e função desses versos (Jo 20.30-31) na comunidade original, o que denota
o intento histórico-social deste trabalho.
O TEXTO EM QUESTÃO:
Texto grego[2]
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Texto traduzido
literalmente
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Πολλὰ
μὲν οὖν καὶ ἄλλα σημεῖα ἐποίησεν ὁ Ἰησοῦς ἐνώπιον τῶν μαθητῶν [αὐτοῦ], ἃ οὐκ ἔστιν
γεγραμμένα ἐν τῷ βιβλίῳ τούτῳ· (Jo 20,30)
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Muitos então e outros sinais fez o Jesus perante
os discípulos dele os quais está(ão) escritos em o livro este.
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ταῦτα
δὲ γέγραπται ἵνα πιστεύ[σ]ητε ὅτι Ἰησοῦς ἐστιν ὁ χριστὸς ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ, καὶ
ἵνα πιστεύοντες ζωὴν ἔχητε ἐν τῷ ὀνόματι αὐτοῦ. (Jo 20,31)
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Estes porém estão/foram escritos para que/para
creiais/crerdes que Jesus é o Cristo o Filho do Deus e para que crendo vida
tenhais em o nome Dele.
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Quanto
ao termo αὐτοῦ, dele, é omitido no Códice Vaticano (B) do século IV d.C, bem
como no Códice Alexandrino (A) do V d.C; ocorrendo no texto Majoritário, papiro
(66) ca.200 contendo porções extensas de João; no Códice Sinaítico (א ) do século IV d.C. no Códice Efraimita (C) reescrito no
século V d.C que possui porções extensas do Novo Testamento. É aceito como
leitura original em [Cr].
No verso seguinte, o termo πιστεύ[σ]ητε, creiais/crerdes, sofre
modificação ou substituição no papiro (66) ca. 200 com possível testemunho de
um importante pai da igreja, bem como no Códice Sinaítico (א ) do século IV d.C., assim como em um manuscrito muito
importante que sempre é considerado no Códice Vaticano (B) do século IV d.C.
Ocorre no texto Majoritário do Códice Alexandrino (A) do século V d.C, no
Códice Efraimita (C) reescrito no século V d.C que possui porções extensas do
Novo Testamento. É aceito como leitura original em [Cr].
Quanto à forma literária, trata-se de um nível
linguístico conhecido como “comentários e comentações” [3]. O autor volta-se mais
diretamente para os que se põem a acessar seu texto, manifestando muitas vezes
um conhecimento maior sobre o nexo das coisas, motivos ou mesmo o íntimo das
pessoas agentes. Isso ocorre sobretudo no quarto evangelho, há uma evidende percepção
da tendenciosidade para fazem comentários, o que mostra a teologia do autor.
Uma possível tradução mais literária proposta aqui seria:
“Muitos outros sinais fez Jesus perante os discípulos os
quais estão escritos neste livro. Estes porém foram escritos para crerdes que
Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo tenhais vida em Teu nome.”
Não há grande discussão sobre a anterioridade desses
versos, apenas partes são omitidas, partes essas que notadamente se assemelham
a adequações de escribas posteriores, mas que contundo não alteram a percepção
e importância. Os versos de João 20.30-31 são textos já presentes em textos
antigos, participando dos primeiros grupos redacionais que formaram o corpo
textual do quarto evangelho, como veremos mais adiante. Antes, abordaremos sua
posição quanto os relatos que antecedem e seguem estes dois versos.
Sincronicamente
o texto é antecedido pela aparição do Cristo ressurreto a Tomé (Jo 20.24-29),
seguidor que tradicionalmente é reconhecido como aquele que duvida que Jesus
tenha ressuscitado do mundo dos mortos. Tomé, após comprovar pelo tato, que se
tratava realmente de uma ressurreição há uma exortação àqueles que, mesmo sem
tocar ou ver, creem na ressurreição e, assim, na divindade de Jesus.
Sequencialmente
após os versos que são frutos de análise no presente trabalho temos o relato da
pesca miraculosa (Jo 21.1-14), Jesus apresenta-se no lago de Tiberíades para
vários dos seus seguidores. Tais seguidores que se puseram no trabalho da pesca
durante toda a noite retornam sem peixes para a alimentação do grupo. Após
Simão Pedro se lançar no lago e ir de encontro com o mestre, os que ficaram no
barco pescaram uma grande quantidade de peixes, e agora, nenhum deles duvidou
que aquele à margem fosse Jesus. Nota-se que os versos de Jo 20.30-31, de certo
modo centralizam dois relatos que se referem à crença na ressureição de Jesus,
o primeiro tendo como personagem central Tomé, que havia duvidado; no relato
posterior todos os discípulos creem que seja Jesus à margem esperando-os,
destacadamente o discípulo “a quem Jesus amava” e Simão Pedro. O texto
preocupa-se em afirmar que a vida é inerente à crença nos sinais descritos no
texto joanino, bem como na ressurreição de Jesus e sua filiação divina.
A TRADIÇÃO JOANINA
A
mais evidente característica do texto de tradição joanina é “o material que
resultou na formação dos diálogos e discursos que refletem a cristologia e a
soteriologia especificamente” [4]. Rudolph Bultmann elaborou
a hipótese do uso de fontes de discursos gnósticos na composição do texto
joanino, sendo muitíssimo criticado e, atualmente, devido às descobertas em Nag Hammadi temos outras perspectivas. O
texto amplo do Quarto evangelho traz textos reconhecidos nos Diálogos de Jesus, bem como no Evangelho de Tomé, assim como com o Papiro Egerton e um texto reconhecido
como A Narrativa da Paixão; As
Tradições Escatológicas, e, importante para o presente trabalho, a fonte
reconhecida como A fonte dos Sinais.
A
Fonte dos Sinais, como conjunto de materiais que o autor se utiliza, relata
histórias de milagre ligadas às fontes do Evangelho de Marcos. Os versos de Jo
20.30-31 é uma conclusão preservada por esse material. Jesus é transmitido com
uma perspectiva divina, uma propaganda helenística que exalta esse personagem.
Trata de um ambiente aramaico, uma espécie de transmissão de valores aramaicos
do messias para uma visão helênica. Jesus é o próprio Deus vivendo entre os
homens, enfatizando nestes versos a crença no Jesus, o Cristo, agora
ressurreto. [5]
João
20.30 é, “claramente, a conclusão do evangelho original” [6]. Existem dificuldades que
alicerçam a improbabilidade de que o mesmo autor tenha redigido o capítulo 21 e
os versos em questão. Embora Jo 20.30 seja dificilmente apropriado como
conclusão para o quarto evangelho, “é provavelmente adequado como final de um semeîa-fonte[7]”,
para nós, Fonte dos Sinais de Jesus.
O
autor trabalha poucos temas, usando para tal, paralelos e quiasmos.[8] Sendo que entre 13.1 –
20.31 descreve “a auto-revelação de Jesus em sua cruz e exaltação” [9]. Assim os versos 30-31 do
capítulo 20 é uma declaração concisa do propósito do Quarto Evangelho. O autor,
magistralmente, compele o leitor a aceitar o dado messiânico de Jesus, bem como
a sua ressurreição “carnal” [10]. “Procurar pelas fontes
distintas no quarto evangelho é uma causa perdida” [11].
Aqui,
no caso específico dos dois versos, parece evidente em diversos textos que
esses versos são uma conclusão concisa e enfática para uma fonte reconhecida
como a Fonte dos Sinais. Como o texto
já aparece em textos de alguns pais da igreja nota-se que é um escrito que, no
mais tardar, foi composto nos primeiros anos do século II d.C. Sendo
evidenciado que seu discurso é notadamente posterior ao ano 70-80 d.C. pelo
fato de que o logos, palavra, é
personificada, tal qual no conceito judaico de Hokmah, sabedoria, exposta em diversos textos sapienciais no
primeiro testamento e que nesse período passa por um processo de canonização,
tornando-se imprescindível na construção de um ideário judaico-cristão, bem
como a exclusão dos judeus cristianizados do ambiente sinagogal. Estabelecemos
uma proposta para datação entre os anos 80-85 d.C. que é corroborada pela queda
do templo e discussão quanto ao judaísmo da Palestina, bem como a própria
linguagem que caminha para uma expressão menos comedida que a de Inácio – que
com frequência refere-se a Jesus como Deus – bem como sua linguagem
sacramental. Isso remete a uma passagem de tempo até que este pai da igreja
tenha composto seu texto, já que esse ideal é plenamente absorvido por ele.
BUSCANDO DADOS SOCIAIS
Muitas
das histórias refletidas nos textos joaninos devem ser entendidas sob os
conflitos presentes no evangelho, que surgem a partir de conflitos
intrajudaicos. [12]
O
Evangelho de João busca refletir uma nova identidade como resposta à exclusão
sinagogal e sua aceitação, devido a conflitos que surgem desde 70 d.C. já que o
dado messiânico era amplamente desencorajado quando relacionado ao
profeta-carismático, Jesus. Assim, o fio condutor do texto é uma forte
reinvindicação de exclusividade para a revelação de Cristo, que tem sua origem
no judaísmo aflorado, ao mesmo tempo em que se opõe ao judaísmo. Isso se dá com
Jesus sendo de origem judaica, mas aqui, transcendendo a realidade finita do
judaísmo institucional.
Quanto
à geografia temos quatro principais possibilidades[13]:
a) Alexandria
– com a alegação de que João possui certas afinidades com Filo.
b) Antioquia
– sob a alegação de que há afinidades com as Odes de Salomão, escritos siríacos com suposta procedência dessa
região.
c) Palestina
– sob a alegação de que qualquer escrito que aborde o Jesus Histórico relate a
realidade palestinense.
d) Éfeso
– sob a alegação enfatizada por evidências patrísticas, tais como Irineu e
Eusébio.
Não
assumimos um posicionamento exclusivista quanto à procedência geográfica, mas
chama a atenção o ambiente da Antioquia, pela proximidade com os escritos de
ideário sapiencial das Odes de Salomão
que se aproximam ao uso do logos/hokmah
joanino; da mesma forma que a Palestina, onde a discussão sobre a aceitação
messiânica e de ressurreição de Jesus seria pano de fundo para uma disputa
ideológica entre judeus cristianizados.
Essa
localização pressupõe hipóteses e especulações sobre a identidade do autor que
não estão isentas de problemas. Chama a atenção, em todo caso, que o testemunho
manuscrito mais antigo do evangelho provenha do Egito, quando a tradição da
Ásia Menor começa bem mais tarde. Por isso, em última análise, não será possível
ir além de evidências ou indícios internos. Mas muita coisa fala a favor do
surgimento num ambiente de cunho judeu.[14]
Não
temos uma referência quanto aos seus destinatários, mas pode-se suspeitar de um
desentendimento intrajudaico que refletem a exclusão da sinagoga dos que
confessam a Cristo. “É possível que se esteja fazendo referência, dessa forma,
justamente aos membros da maioria judaica aos quais se contrapõe a comunidade
joanina” [15].
Esses aspectos apontam para o fato de a comunidade joanina ter um caráter
“majoritariamente cristão judaico e supostamente deva ser procurada na terra de
Israel” [16].
Quanto
ao estrato social dos que pertencem ao grupo de Jesus no quarto evangelho,
percebe-se que são membros dos estratos inferiores, mesmo não sendo os “absolutamente
pobres” [17],
chama a atenção que alguns dos que agora seguem o Cristo são membros dos
estratos elevados da comunidade. Talvez esse fato social ajude na interpretação
de que esse evangelho não se preocupa tanto com as diferenças entre ricos e
pobres, antes traz à tona o conflito “latente entre membros do estrato inferior
provenientes de círculos subdecuriais que se declaram abertamente pela
comunidade dos crentes em Cristo e simpatizantes secretos do estrato superior
citadino” [18].
TEOLOGIA E FUNÇÃO TEXTUAL
Sem
dúvida a temática principal que emoldura a construção textual é a apresentação
de Jesus como o Messias. Jesus é o agente de Deus na terra, para tal os versos
20.30-31 são fundamentais no chamado à crença dessa perspectiva, já que o “termo
confessional Filho de Deus” [19] é apresentado e deve ser
compartilhado pelos leitores com fé e compromisso.
O autor
de João transcende imagens anteriores de Jesus como enviado ou mensageiro da
Sabedoria. Superando o discurso que se refere a Jesus como corporificação da
Sabedoria personificada, ele adiciona a noção de sabedoria preexistente. (...)
a Sabedoria preexistente se encarna, toma corpo em Jesus. (...) O Evangelho de
João marca ainda um estágio ulterior dessa reflexão sapiencial acerca de Jesus
na apresentação do seu ministério segundo a carreira da Sabedoria
(personificada). [20]
Tomando
o messianismo como chave hermenêutica de acesso aos versos em questão neste
trabalho deve-se perceber que seria parte da apocalíptica judaica, tendo como
características básicas a “significação histórica, de autoria pseudônima, uso
liberal de visões, um forte elemento preditivo, altamente simbólico, dramático,
e era uma defesa radical do povo para o qual era escrito” [21]. Essas são
características perceptíveis em todo o texto do Quarto Evangelho,
principalmente nos que tratam de Jesus como portador da Sabedoria, dos Sinais,
da ressurreição dentre os mortos e, enfim, da filiação divina. Sua função é
responder perguntas de um povo perseguido, trata da justiça divina, do
sofrimento humano, sobretudo viabiliza a esperança por meio das letras.
Vê-se
certo elemento apologético em Jo 20.-30-31, fato que seria observável pois, em
uma crescente disputa entre seguidores de Cristo, notadamente judeus, e judeus
mais apegados aos apontamentos do templo, há de se notar uma indecisão no
primeiro grupo. Em João os judeus, com percepção mais alinhavada com o templo,
são negativizados, enquanto os judeus cristãos que creem no messianismo por
Jesus são positivizados.
Já foi
sugerido que João parece ter construído seu Evangelho em torno de sinais que
Jesus fez. Aparentemente, escolheu um número limitado de milagres (20.30-31)
para apresentar suas provas acerca do messiado de Jesus. (...) a ressurreição é
o sinal supremo da natureza essencial de Jesus.
POSSIBILIDADE HERMENÊUTICA
Quanto
aos dados obtidos podemos anunciar que, mesmo não se explicitando o autor,
temos a redação de alguém que teve contato com a Fonte dos Sinais de Jesus, e,
que nos versos 30-31, preocupou-se na manutenção de uma conclusão concisa,
enfática, sobre a crença nos sinais de Jesus, mas, sobretudo na crença de sua
percepção como imagem messiânica e filiação divina. Jesus é/contém a Sabedoria
e é filho de Deus.
Para
uma definição quanto ao Lugar Vivencial
opta-se por assumir a posição dos irmãos Stegemann[22] apontando para a
Palestina. Para apoiar tal posição, mesmo certos de críticas apontando para
outras localidades, temos o uso das fontes dos Sinais de Jesus com a manutenção
de sua conclusão, remetendo à importância desse texto para a comunidade em
questão; a chamada à crença nos sinais de Jesus, seu messianismo e filiação. Com
a expulsão dos judeus cristianizados das sinagogas, estes valores, inerentes
aos seguidores de Jesus, devem ser mantidos e por isso ganham destaque em Jo
20.30-31. Os versos que são frutos de análises neste trabalho remetem ao cunho
apologético e esperançoso da apocalíptica que aborda o messianismo.
Sobre
o problema hermenêutico dos textos apocalípticos vemo-nos entre duas
possibilidades: “um horizonte pequeno-burguês, que reduz a vinda de Deus a
eventos dentro do pequeno mundo de nossas novidades”[23] ou mesmo “reduzir as
imagens apocalípticas à sua significância, e assim, tirá-las totalmente do
âmbito da história”[24]. A linguagem desse gênero
apocalíptico é metafórica e poética, o que nos impede de uma aplicação
unilateral. Embora os versos em questão não tratem da linguagem apocalíptica,
mas, uma chamada à aceitação dessa linguagem. Como se trata de um enunciado de
juízo, sumamente sobre os que creem, em contraposição aos que não creem. Afinal,
os que creem terão vida.
Na
interpretação do apocalipsismo temos critérios[25] como:
a) A
estranheza básica da realidade mística referente à tempo, ação e decorrência,
identidade e corporalidade;
b) O
efeito corretivo para a expectativa do juízo;
c) Quanto
às características básicas divergentes, aplica-se a realização transversal em
relação à história, não perdendo de vista o todo.
Assim, podemos
apontar que “o intérprete não pode desistir da correlação bíblica entre ação e
decorrência ou renunciar a ela por causa de princípios aparentemente contraditórios”
[26].
A realidade da
exclusão das sinagogas dos judeus cristianizados atemorizava e deixava em
dúvida as vítimas desse processo, mas a realidade libertadora dos sinais de
Jesus aplacava suas impressões, tão profundamente, que seria impossível apenas
negligenciar tais eventos. Milagres, curas, exorcismos, mas certamente mais que
isso, a imagem de O Messias, marcara definitivamente a Palestina judia que
ouvira falar de Jesus, aquele que se tornara O Cristo. Assim, mediante os
discípulos, o Messias tinha feito uma enormidade de sinais, tanto os descritos
no texto joanino quanto outros não relatados, mas que a própria comunidade
ainda balbuciava. Não era apenas mais um Jesus, de tantos outros que circulavam
pelas gentes, mas era o que fez vários sinais, e, acima de tudo, o que foi
reconhecido pelas gentes como O Messias, e, que sob a pena do autor de João personifica
a Sabedoria – organizadora do caos social (hokmah/maat)
– mas também é o filho do próprio Deus, é Deus caminhando entre homens,
mulheres e crianças do oprimido Israel.
Mas agora, expulsos
da sinagoga, da casa do Deus dos Pais, esse povo se questiona se era mesmo o
Messias que lhes falava sobre arrependimento, ou apenas mais um carismático que
aclamava a liberdade, mas a trouxe em partes.
Com a expectativa da
esperança que remonta à apocalíptica, mais ainda, que remonta os ideários de
Jesus, a pena do autor que redige Quarto evangelho retorna à Fonte dos Sinais de Jesus e reforça a
esperança das gentes. Pois os sinais descritos no livro são para que creiam –
homens, mulheres, crianças, judeus cristianizados, judeus templares – que Jesus
é o Messias, o filho do próprio Deus, e crendo tenham vida, eterna, livre,
efetiva, por meio Dele.
CONCLUSÃO
“A literatura apocalíptica
representa um grito de protesto das aspirações políticas de libertação do povo
judeu palestinense” [27]. Observa-se uma situação
política, social, religiosa e cultural que direciona a finalidade desse estilo
literário revelando, em toda a plenitude, tensões existentes na sociedade e que
justifica sua produção. Parece que os escritos apocalípticos, de um modo geral,
buscam respaldo em um olhar pessimista quanto a esse mundo, evidencia
objetivamente a experiência do sofrimento, por vezes fruto do subjugo oriundo
da dominação helênica e romana, desenvolvendo a partir dessa perspectiva uma
visão esperançosa da história que se desenrola.
A Bíblia,
invariavelmente, não se presta à descrição de eventos. Ela, como produção
textual se ocupa do ensino, seu propósito é pedagógico e esta finalidade
estende-se às narrativas bíblicas do passado.
A memória coletiva representa o conjunto coletivo de memória partilhada
pelos indivíduos e, além disso, ela consiste de memória passada a gerações
subseqüentes. Memória é o que uma cultura coletivamente carrega de seu passado,
enquanto história envolve uma avaliação crítica do passado. Assim sendo, é
expressa por meio de imagens partilhadas que personificam uma elaborada rede de
moral social, valores e ideais considerados pelos grupos sociais. As
interconexões entre as imagens partilhadas, por sua vez, formam e moldam as
estruturas sociais (cadres sociaux)da memória coletiva. [28]
É assim que acessamos o
texto de Jo 20.30-31. Nele, mais que reflexo de um grupo expulso do seu
ambiente religioso, temos a esperança que, ainda, emerge dos sinais de Jesus. Saindo
das sinagogas, transcendendo seus dogmatismos e ortodoxias, as gentes viam a
libertação que vem de Deus. Manifestos nos sinais, na sabedoria, no conforto e
ânimo de suas palavras, Jesus mostrou ao povo a finitude da estrutura templar,
e a infinitude simbolizada pela ressurreição. Os dois versos analisados aqui
são o convite para a crença na esperança, na sapiência, nos sinais, mas acima
de tudo na libertação definitiva que vem da crença em Jesus, O Messias
ressurreto, O Logos Filho de Deus.
Thiago Barbosa
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Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004.
[1] WEGNER, Uwe – Exegese do Novo
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[2] Novum Testamentum Graece,
Nestle-Aland 27ª edição; em associação com textos da LXX Septuaginta editada
por Alfred Ralhfs.
[3]
BERGER, Klaus – As Formas Literárias do Novo Testamento – Klaus Berger; trad.
Fredericus Antonius Stein. – Belo Horizonte-MG, Loyola, 1998. P. 226-228.
[4] KOESTER, Helmut – Introdução ao Novo
Testamento, volume 2: história e literatura do cristianismo primitivo – Helmut
Koester; trad. Euclides Luiz Calloni. – São Paulo: Paulus, 2005. P. 194.
[5] KOESTER, Helmut – Introdução ao Novo
Testamento, volume 2: história e literatura do cristianismo primitivo – Helmut
Koester; trad. Euclides Luiz Calloni. – São Paulo: Paulus, 2005. P. 201.
[6] kÜMMEL, Werner Georg – Introdução ao
Novo Testamento – Werner Georg Kümmel; tradu. Paulo Feine e Johannes Behn. –
São Paulo: Edições Paulinas, 1982. P. 263.
[7] kÜMMEL, Werner Georg – Introdução ao
Novo Testamento – Werner Georg Kümmel; tradu. Paulo Feine e Johannes Behn. –
São Paulo: Edições Paulinas, 1982. P. 270.
[8] CARSON, D.A. – Introdução ao novo
Testamento – D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris; trad. Marcio Loureiro
Redondo. – São Paulo: Vida nova, 1997. P. 152.
[9] CARSON, D.A. – Introdução ao novo
Testamento – D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris; trad. Marcio Loureiro
Redondo. – São Paulo: Vida nova, 1997. P. 154.
[10] Uso aqui o termo carnal para
enfatizar a clara oposição do discurso a respeito da ressurreição à luz de João
e dos discursos gnósticos que, efetivamente, aproximam-se de um Jesus
incorpóreo.
[11] CARSON, D.A. – Introdução ao novo
Testamento – D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris; trad. Marcio Loureiro
Redondo. – São Paulo: Vida nova, 1997. P. 173.
[12] STEGEMANN, Ekkehard W. – História
Social do protocristianismo – Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann; trad.
Nélio Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004. P.
260.
[13] Cf. CARSON, D.A. – Introdução ao novo
Testamento – D. A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris; trad. Marcio Loureiro
Redondo. – São Paulo: Vida nova, 1997. P. 178-179.
[14] STEGEMANN, Ekkehard W. – História
Social do protocristianismo – Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann; trad.
Nélio Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004. P.
259.
[15] STEGEMANN, Ekkehard W. – História
Social do protocristianismo – Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann; trad.
Nélio Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004. P.
260.
[16] STEGEMANN, Ekkehard W. – História
Social do protocristianismo – Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann; trad.
Nélio Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004. P.
261.
[17] STEGEMANN, Ekkehard W. – História
Social do protocristianismo – Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann; trad.
Nélio Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004. P.
264.
[18] STEGEMANN, Ekkehard W. – História
Social do protocristianismo – Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann; trad.
Nélio Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004. P.
265.
[19] MARSHALL, I. Howard – Teologia do
Novo Testamento: diversos testemunhos, um só evangelho – I. Howard Marshall;
trad. Marisa K. A. de Siqueira Lopes, Sueli da Silva Saraiva. – São Paulo: Vida
Nova, 2007. P. 446.
[20] CERESKO, Anthony R. – A sabedoria no
Antigo Testamento: espiritualidade libertadora – Anthony R. Ceresko; trad.
Adail Ubirajara Sobral, Marial Stela Gonçalves. – São Paulo: Paulus, 2004. P.
192-193.
[21] HALE, Broadus David – Introdução ao
estudo do Novo Testamento – Broadus David Hale; trad. Claudio Vital de Souza. –
São Paulo: Hagnos, 2001. P. 25.
[22] STEGEMANN, Ekkehard W. – História
Social do protocristianismo – Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann; trad.
Nélio Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004.
[23] BERGER, Klaus – Hermenêutica do Novo
Testamento – Klaus Berger; trad. Nélio Schneider – São Leopoldo: Sinodal, 1999.
P. 355.
[24] BERGER, Klaus – Hermenêutica do Novo
Testamento – Klaus Berger; trad. Nélio Schneider – São Leopoldo: Sinodal, 1999.
P. 355.
[25] Cf, BERGER, Klaus – Hermenêutica do
Novo Testamento – Klaus Berger; trad. Nélio Schneider – São Leopoldo: Sinodal,
1999. P. 371.
[26] BERGER, Klaus – Hermenêutica do Novo
Testamento – Klaus Berger; trad. Nélio Schneider – São Leopoldo: Sinodal, 1999.
P. 367.
[27] PIRES, Anderson Clayton – Esperança e
teologia da história apocalíptica judaica – Anderson Clayton Pires. Fragmentos
de Cultura, Goiânia, v.14, n.8, agosto 2004. P.1461.
[28] SMITH, Mark S. – O memorial de Deus:
história, memória e experiência do divino no Antigo Israel – Mark S. Smith;
trad. Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2006. P.185. citando
estudos elaborados por Maurice Halbwachs.