NOUWEN, Henri, J.M. –
Transforma meu pranto em dança: cinco passos para sobreviver à dor e
redescobrir a felicidade – Henri Nouwen; [compilado e editado por Timothy
Jones; trad. Beatriz Gotardelo Fraga Moreira]. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson,
2007.
Henri
Nouwen foi escritor, teólogo, de perspectiva católica romana, esteve sempre
associado à reflexão teológica do cuidado. Principalmente nos últimos anos de
vida esteve cuidando de uma comunidade voltada para o amparo a pessoas com
deficiências físicas e/ou mentais. Faleceu no ano de 1996, vítima de um ataque
cardíaco. O presente texto apresenta-se como um pensamento a respeito do
entendimento da dor e do sofrimento, bem como esses sentimentos são
enfrentamentos que apenas frases eloquentes não são capazes de apaziguar. Para
que o pranto passe à dança há de se notar a presença de Deus na vida.
O
autor aborda a temática da morte e do sofrimento, não apenas descrevendo, mas
antes preocupado com o cuidado do humano e manifestação de Deus nesses eventos
de dor. Em um mundo repleto de desventuras, perceber Deus é um trabalho de
percepção das nuances mínimas, é buscar uma resposta para um pranto que vem da
violência, do descaso com o ser humano, da sobrevida dos oprimidos e dos que
são mantidos em condições de miséria. É, assim, não desperdiçar as
adversidades, mas antes, notar Deus em meio ao caos. Para quem conhece a dor e
o sofrimento, em alguma de suas dimensões, sabe como palavras “politicamente
corretas” pouco mitigam o sofrimento. E quem já não teve a sua dor?
Com
o fardo da morte que se apresenta ao amigo Jonas, Henri Nouwen inicia a
introdução de transforma meu pranto em
dança. As palavras certas causariam pouco efeito, talvez nenhum, frente à
morte de um filho tão esperado. Para a morte de um filho, para a morte em si,
não há consolação, há a emanação da dor. Palavras, frases, gestos esperados,
nada pode suplantar a dor, aqui mostrada como dado existencial, presente e
característico em todo homem ou mulher. Para que se transcenda do pranto à
dança, o autor propõe cinco passos, cinco capítulos que refletem sobre a dor e
como mitiga-la, ou melhor, aproveitá-la.
A
dor é inevitável em algum momento da vida, em sua comunidade de Daybreak – com seus deficientes físicos
e mentais - também. Interessante é
que as pessoas ali não se desdobravam sobre a dor em si, mas antes perguntavam
em como transcende-la, “elas indagavam-se sobre como transformar o sofrimento
numa oportunidade, em vez de vive-lo como uma demorada interrupção na vida
delas” (p.20). Há de se ver a esperança, uma que não se estremeça pela
enfermidade, ou ainda que não desvaneça com os sonhos desfeitos ou confianças
traídas. Enfrentar as perdas é confrontar o pensamento de que o mundo deve
suprir nossas necessidades. Deve-se ter na dor, a esperança da vitória que
denotará esforço. Assim depositaremos nossos pesados fardos em mãos maiores,
mais capacitadas, as mãos de Deus. “O
segredo para entender o sofrimento é deixar de nos rebelar contra os
inconvenientes e as dores da vida” (p.26). Deixa-se o lamento, que nos remete à
pequenez humana, mas não se deixa o sofrimento, pois é nele que Jesus guia-nos
para além de nós mesmos, para encontrarmos a graça de Deus. Encontramos a gratidão,
mesmo diante a dor, encaramos a jornada da vida com Deus moldando nosso
coração. Tornando-nos agradecidos, aprendemos a celebrar, mesmo através de
lembranças difíceis e atormentadoras, submetemo-nos ao cuidado de Deus, que
como a pode de uma árvore, tolhe alguns galhos, despe-nos de várias folhas,
preparando-nos para uma colheita plena.
O
segundo capítulo, Agarrar e Soltar
inicia apresentando a imagem de um grupo de trapezistas, que para ter a
plenitude do espetáculo e voarem suavemente devem antes soltar-se no vazio, e
confiante, agarrarem as mãos de seus parceiros. “Viver com essa disposição para
soltar é um dos maiores desafios que enfrentamos” (p.35). Ao nos agarrarmos à
vida, tendo-a como propriedade – posse ou objeto que deve ser segurado – não
nos dispomos ao voo, somos limitados. Esse é um caminho que nos leva a uma
exacerbada individualidade e senso de auto-realização. Diante de uma grande dor
ou desgosto notamos a finitude do nosso controle sobre a vida. Encarar a morte
é perceber a finitude da vida de modo inquestionável, assim, de frente com
tamanha dor, nota-se que a posse da vida é uma quimera, que nos transforma,
limita, em um auto-engrandecimento. Notadamente, haveremos de soltar coisas que
são tidas como importantes, mas mediante a vida, mostram-se abandonáveis. Mas
no intento de termos posse itens supérfluo caímos em tentação. “A tentação é
reagirmos com lamúrias constantes aos nossos planos e programas frustrados. O
pesar transforma-se num constante amargor” (p.39). Como os discípulos de Jesus,
que abandonaram suas fontes de segurança econômica e suas famílias para seguir
Jesus, nós devemos também nos lançar aos cuidados do Pai. Para tal expectativa
devemos vencer o medo de nos lançar ao cuidado de Deus, ao fixarmos os olhos em
Deus abriremos mão dos temores que nos cercam, seremos livres para enxergar o
sofrimento das gentes, livres para responder com compaixão, paz, e serenidade,
responderemos com nossa própria pessoa. Certamente a oração ganha essa
conotação de método libertador e de confiança. “Quando oramos, estamos
admitindo que não sabemos o que Deus vai fazer, mas, ao mesmo tempo, lembrando
que nunca o descobriremos se não nos expusermos a riscos” (p.44-45). Oração é o
método para se abrir as mãos e soltar-se no ar. Mediante a oração damos o
salto, mesmo sem o pleno entendimento, mas Deus pode usar outros caminhos que
não os nossos velhos caminhos. No sofrimento vemos a incompreensibilidade de
Deus, seus caminhos são mais altos que os caminhos humanos. A Deus devemos nos
entregar, sem receios, para voar levemente e encontrar pouso seguro.
Abandonando nossos velhos entendimentos sobre tudo e todos, nossas expectativas
são depositadas Nele.
Em
Do Fatalismo para a Esperança, mostra
ao leitor o fascínio sedutor das fatalidades. Ao mesmo tempo em que se ameniza
a percepção do fatal, maquia-se dando-se lhe um aspecto pueril. Entregar-se ao
fatalismo é uma opiosa saída do ser humano. “o fatalismo pode manter-nos
dependentes de rotinas, de ações que poderíamos ter mudado com urgências se tivessem
sido examinadas” (p.56). Mas, como em vários momentos, temos a fé e o fatalismo
muito próximos, devemos lembrar que “Confiar em Deus permite-nos viver em
expectativa ativa, e não em cinismo” (p.57). A esperança que emana da fé
amadurece e se purifica através das dificuldades. Assim, a esperança vem
daquele que é mais forte que as intempéries fatais da vida, ou mesmo que a
própria vida e os sofrimentos. Confiar é, em fé, levarmos a esperança à
presença graciosa de Deus. Mais do que o fatalismo é o anseio humano por Deus.
Essa esperança guia-nos pelos momentos tranquilos e agradáveis, como pelos
desapontamentos e tormentas da vida. No desenvolvimento da paciência na espera
pela ação divina, temos o paradoxo da expectativa que denota que “aqueles que creem
no amanhã viverão melhor hoje, aqueles que esperam que a alegria surge da
tristeza podem descobrir o começo de uma nova vida diante da velha” (p.67).
Viver a crença da esperança é dizer não a toda forma de fatalismo.
Da manipulação ao Amor
aponta para a dimensão humana da compaixão. “Viver com compaixão significa
entrar nos momentos sombrios do outros” (p.69). É, sobretudo, se abrir para a
dor do outro, pôr-se no lugar do outro. É a disposição para a compaixão que nos
impede de, percebendo as gentes – homens ou mulheres – envoltas na dor e no
sofrimento, dar-lhes uma resposta rápida, vazia, sem perceber a dimensão real
do cuidado para com eles. Não nos demoramos, quando confrontados com o mal, em
buscar formas que renovem a alegria ou o ânimo, agindo dessa forma nos
afastamos do epicentro da dor, refugiamo-nos em um relacionamento superficial,
que só poderá aprofundar-se na compreensão do sentimento alheio. Buscamos o
conforto, não das gentes, mas o nosso próprio. Encastelados nos sentimentos
frívolos positivos, não mergulhamos na profundidade do sofrimento alheio, nos
indispondo assim a relações realmente profundas e complexas com o ser humano.
Novamente a fé cristã aponta para a oração como uma das metódicas
possibilidades para mover-se em relação à outra pessoa. Buscamos sempre nos
justificar, instituindo um trágico círculo; “quanto mais tentamos nos
justificar, mais esbarramos com nossa inabilidade para fazê-lo” (p.75). A
justificação que é incredulidade, força humana impondo-se à força divina, é ativismo
que provém da incredulidade que insiste em que Deus não pode operar ou agir.
“Mas deveríamos saber que o que fazemos para ajudar, servir e ministrar não tem
o poder de criar nada sem Deus, mas é a nossa resposta ao que Deus está
criando” (p.75). Assim a compaixão não é apenas uma demonstração do “se
importar” humanos, antes é uma atribuição divina, de Deus. Nós não competimos
com Deus para a demonstração da compaixão, mas só a demonstramos por que
refletimos a compaixão que Deus teve por nós antes. Quando entendermos isso, os
frutos de nossos ministérios não serão mais nossos, mas, antes, serão de Deus,
pois efetivamente vieram Dele e por meio Dele, são frutos antes de sua
misericórdia por nós, que pela graça somos impelidos a mostrar aos nossos
irmãos e irmãs. Na saga pela compaixão, mediante a graça, dados irrevogáveis de
Deus, podemos nos dispor a, em alguns momentos estarmos a sós, não em solidão,
mas em solitude. Solitude com Deus, um momento onde Deus fale com extrema
liberdade, sem os entraves da vida moderna, dos movimentos exagerados da vida
moderna, encontramos na solitude com Deus a contemplação da graça e da
compaixão no outro. “Viver, servir e adorar com outros nos leva, desse modo, a
um lugar onde chegamos todos juntos e lembramos que somos interdependentes, que não somos Deus,
que não podemos satisfazer as nossas próprias necessidades e nem podemos suprir
completamente as necessidades uns dos outros” (p.84). Em meio à comunidade
notamos Deus no outro, homens e mulheres, crianças e anciãos. Somos enfim
transparentes uns para com os outros, “e a luz pode brilhar através de nós, e
Deus pode falar através de nós” (p.86). É, então, dispor-nos a amar o inimigo,
é o fim do inimigo. Pelo amor transcendemos a atração pessoal, a
compatibilidade mútua, os desejos meramente sexuais, a compreensão cultural, a
proximidade é com o absoluto do ser humano, não com o relativismo dos grupos
sectários da espécie humana. Se os inimigos o são apenas por nossa insistência
em excluí-los, com o fim da temerária exclusão, não há inimigos, mas irmãos e
irmãs. “Deus torna-se parte de nosso pranto e convida-nos a aprender a dançar,
não sós, mas com outros, compartilhando da própria compaixão de Deus, tanto
dando como recebendo” (p.91).
Mas
a morte é implacável e certa, mesmo com essas constatações a humanidade teima
em amenizar, mascarar a morte. Iludimos falseando a certeza da morte. Esse
rompimento drástico com o tangível, o perceptível, talvez seja a razão pela
qual nunca estamos preparados para essa trágica cisão. Mediante essas
convicções, da certeza inevitável da morte e da incerteza do que está para além
da vida, é que podemos enfrentar “a morte sem pavor ou rejeição” (p.100). A
morte parece ser o antagonismo de Deus, mas curiosamente, frente à morte de
Cruz, Jesus contempla o Deus que está ausente. Esta teologia negativa, da
ausência, ainda sim nos remete à dimensão do cuidado e da esperança. A jornada
de Jesus teve um duro golpe na cruz, mas ainda sim trouxe esperança enquanto
percorria o caminho de Emaús. A morte é o nosso êxodo, é o mar que se abre para
a completude. “É uma certeza que nos leva a confiar em que a jornada da vida
para a morte há de nos conduzir, finalmente, da morte para a vida” (p.103). Em da Morte temível para a Vida de Gozo,
vemos a finitude humana mediante a infinitude divina, e mais, de soslaio temos
a centelha divina que nos aponta o infinito. A dor da morte é irrepreensível,
mas assemelham-se mais às dores de parto, pois é assim que experimentamos a
vida, agora eterna. Assim o pranto se transforma em dança, enfim.
Thiago Barbosa
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