A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A teologia sob limite - fé(?) e teologia(?)?


JOSGRILBERG, Rui de Souza – Teologia sob limite: A fé em busca da teologia – Rui de Souza Josgrilberg; Jaci Maraschin (org.); ASTE, São Paulo, 1992.
Desde Immanuel Kant em sua “Crítica da Razão Pura” a religiosidade do Ocidente passa por uma analise profunda dos critérios que formam o pensamento teológico. Em “A fé em busca da teologia”, Rui de Souza Josgrilberg busca estabelecer critérios que possibilitem a percepção do estado da questão no século XXI.
A fé em busca de teologia tem por intento impor maior clareza sobre as análises e pensamentos que se constroem mediante a fé, denominada teologia cristã, buscando para isso critérios legítimos da cientificidade moderna. Assim, teologia “é o discurso desenvolvido a partir de dados básicos da revelação e seus desdobramentos na igreja”. É, portanto, profundamente comprometida com o seu objeto de estudo e avaliação.

A ciência, em tese mais livre de seu objeto em análises, mostra-se em busca de uma permanente reconstrução, mostrando-se pronta para retificações e reinterpretações. Há a evidente necessidade de reconhecimento quanto à exposição e desenvolvimento dos discursos teológicos à critica epistemológica, fator básico na projeção adequada do objeto de análise teológico que providencia uma construção científica rigorosa do objeto teológico.

Quanto ao objeto de análise da teologia, é, em suma, insondável. Tem uma inegável dimensão mística, ontologicamente concebida, e, mesmo assim é insistentemente referida como matriz em estudo. A teologia é, pois, “um conhecimento que se constrói com seus pressupostos, que esse conhecimento pode ser, tem a possibilidade de ser ciência, que exige ao mesmo tempo interpretação e constitui-se, em boa parte, mas não exclusivamente, como hermenêutica”.

Em seu objeto de estudo, a teologia, percebe a característica do insondável, prevenindo contra qualquer pretensão de conhecimento fechado/limitado ao rigor empírico, no entanto revela que sua epistemologia deve ter um rigor pronto para outras/novas possibilidades.

Como tem em seu âmago a interpretação textual da literatura sagrada, é através do texto que a significação, os conceitos, as idéias, a descrição, as imagens, os símbolos etc., adquirem permanência e permitem o trabalho científico e hermenêutico. A ciência interpretativa que dá forma ao pensamento teológico, tanto quanto todo conhecimento discursivo que busca objetividade de um critério científico, deve exigir um processo cíclico de construção, ruptura, alternância, relatividade e retificações, senão todos ao mesmo tempo, ao menos cada um desses em momentos particulares. A epistemologia aberta é, portanto, muito mais amplos e diversificados que a restrição epistemológica do empirismo lógico.

O pensamento teológico como ciência da fé busca inteligência para sua manifestação, dando novas percepções ao estudioso e aos que, em algum momento, recebem dessa ciência. Não é então imputação religiosa, apologética, dogmática, sistematização denominacional, mas antes, transcende tudo isso pela ação de seu objeto de estudo, a revelação da fé. A fé carrega um contínuo apelo e uma exigência de conhecimento, é então condição sine qua non para teologia, evidenciar a fé racional é um serviço da igreja pela própria igreja.

Deus e sua revelação mostram-se como objeto e sujeito para a fé racional. A razão tem seus direitos, pode e deve entender a fé.  Deve buscar-se uma aproximação entre a fé e o conhecimento racionalmente entendido, juntos na formação do pensamento teológico, Deus é objeto/sujeito que concede a razão, não se opõe a ela, mas está para ela como está para as artes, leis, governo, sendo debilitada sua ação pela vaidade.

Kant apresenta uma universidade idealizada, laica e independente do Estado, com a percepção de um cosmos infinito é Deus que passa a ser concebido segundo as idéias da nova cosmologia. Em contrapartida, há ênfase na fé racional, sobremaneira no círculo pietista, ou ainda na teologia da moral, ambos enaltecendo a experiência religiosa como condição da revelação, ou mesmo com sua inserção na natureza ou na história.

A transformação maior se dá na teologia liberal que aponta para elementos da crítica bíblica e da crítica das mistificações da consciência burguesa, e ainda propostas evolucionistas, que têm seus primeiros ícones na transição do século XIX e XX. Schleiermacher  é excepcional ao propor o respeito ao conteúdo originário do discernimento da fé pela revelação, seguindo esclarecimento intuitivo-descritivo, que hoje nós chamaríamos de “fenomenológico”. A teologia reflete sobre a fé, mas não pode substituí-la com os seus conceitos, suas reflexões e suas interpretações.

Karl Barth é um passo atrás no desenvolvimento de um pensamento teológico moderno, sua proposta volta com a teologia aos arcabouços do pensamento medieval, pois Deus fala e a igreja ouve. A revelação só existe para a igreja e a teologia só tem valor como teologia da igreja. A transposição desse fosso epistemológico “Barthiano”, a hermenêutica é muito mais que uma contextualização da mensagem, pois interpreta a partir de lugares hermenêuticos tematizados, a partir de matrizes sociais de produção de sentido. Desenvolvem-se sob a sociologia e a antropologia verdadeiras chaves hermenêuticas para interpretação do sentido de realidade. O pobre, o negro, a mulher, o índio, a prática relacional retoma o sentido hermenêutico do texto revelado. Esse foi uma postura apologética da igreja, mas que a levou a uma postura epistemológica fechada.

O pensamento teológico como teologia cristã, possui a particularidade da presença divina. Assim difere-se da ciência da religião ou da percepção rígida da fenomenologia, antes têm sua ação sob a revelação. Fenomenologia e a abordagem cientificista da religião são faces de um mosaico formador do pensamento teológico. Se, de um lado, partimos do princípio de que Deus fala, por outro lado é evidente que somos nós que expressamos essa fala de Deus nos discursos humanos. A revelação tem em si uma latência, transcendente por excelência, que é irrisório para o positivismo da fenomenologia.

A maior auxiliar na revisão do pensamento teológico moderno é a própria modernidade. Ao questionar a cientificidade da teologia, deu-lhe a oportunidade de precisar mais a produção de conhecimento que elabora. Esse rigor epistemológico deve então continuar na contemplação de Deus e da revelação; o pensamento teológico é localizado na igreja e na cultura, mas transcende ambas as instituições e as une. A teologia pode ser então caracterizada como sendo uma ciência sobre um dado prévio e revelado, assumido como tendo uma primeira expressão validada e reconhecida pela igreja, mas não obedecem, ainda, cânones científicos da cultura, o que é alcançado de forma essencialmente descritiva e pela cooperação das ciências vizinhas de seu campo, e que chega a seus frutos mais acabados nas expressões hermenêutico-praxísticas, que situam seu discurso e sua importância em prover sentido e perspectiva de ação em diferentes contextos.

Thiago Barbosa

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