Amigo Jonathan,
Tocastes num tema que muito me aprecia, quer dizer, a experiência religiosa! Como eu estou – temporariamente? - afastado de um estudo sério da teologia e me encontro no campo da filosofia, posso dizer que o estudo da experiência religiosa e da mística constitui uma área que toca nossa tão amada teologia, e que, portanto, me é preciosa; afinal, depois do século XIX, como pensar uma teologia que alcance as pessoas sem pensar em como se produz e se efetiva a experiência do homo religiosus de uma sociedade dessacralizada?!
Sendo assim, vamos lá... Tenho algumas considerações a fazer sobre sua postagem.
Você disse: “A Mística não quer abandonar o dogma, mas transcendê-lo retirando dele seu aspecto de finalidade. Além disso, o místico não abandona a realidade e a objetividade necessárias a uma religiosidade sadia, no entanto, busca abrir-se ao goso infinito que se manifesta também na vida.”
Por uma questão de definição, que é de sua importância uma vez que este blog é lido por diversos públicos, devo dizer que a Mística a qual se refere é a “mística religiosa”. Pois, se uma vez você afirma que a “mística não quer abandonar o dogma” e esse dogma dito refere-se ao dogma religioso, essa mística só pode ser a mística religiosa. Se acima você fala sobre Deus, fala sobre a mística presente na hierofania, na teofania. Mas onde quero chegar com essa definição?
A “mística-religiosa” depende do dogma, ou seja, dessa objetividade “necessária a religiosidade” como você bem lembra. A mística que se separa do dogma, e aqui me refiro ao dogma religioso, é a mística do mundo dessacralizado: a mística ao ouvir uma ópera, ver um quadro de Da Vinci, ler um romance de Proust; ou seja, uma mística que não tem nada a ver com a mística religiosa. Mas no nosso caso discutido, a mística-religiosa depende do dogma pois o dogma é aquilo que fundamenta a realidade do homo religiosus. Esta realidade aqui é a realidade de um cosmo sacralizado, para usar a expressão de M. Eliade; ou seja, o cosmo onde a(s) divindade(s) estão em constante agir.
Esse cosmo sacralizado é a realidade por excelência para o homo religiosus, sendo que a permanência e a manutenção dessa “organização” do mundo num cosmo depende do dogma, que é o princípio básico e inquestionável. Sem um princípio imutável e inquestionável o cosmo regride ao caos, sendo que o homem religioso não consegue viver no caos: um mundo destituído de sentido.
Sendo assim, hei de discordar com você que a mística pretende retirar do dogma o aspecto de finalidade da experiência religiosa. O dogma, que se traduz em rito e liturgia como você diz a frente, é a própria mística da experiência religiosa. Como pois poderia ele se separar dela?
Vale falar sobre os ritos e liturgias que estas são representações do mito cosmogônico. Ou seja, as formas de culto, os sacramentos, os cânticos e etc, fazem alusão àquilo que já ocorreu antes mesmo que o mundo – esse cosmo organizado (redundância proposital) – fosse criado a partir do nada – ex nihilo. Em exemplos práticos: o sacramento da Santa Ceia corresponde a união dos fiéis a Cristo, tal como havia com Ele antes da queda: lembrando que o período em que o homem esteve no paraíso (e que você usa dessa metáfora no seu post) corresponde à realidade que todo cristão quer retornar, à realidade onde Deus estava efetivamente presente, portanto, corresponde à realidade por execelência. (Obs: meus amigos, essa visão que esboço não corresponde à teologia bíblica, mas à sistemática e à cristologia; afinal, a TB enxergará duas divindades completamente diferentes: uma no VT outra no NT... como vocês bem sabem). Por isso Tillich afirmará que entender esses ritos e liturgia é entender essa nossa preocupação suprema.
Mas seguindo esse raciocínio, irei discordar contigo que a espiritualidade fundamenta a experiência na doutrina. Você disse: “Começo pela espiritualidade que fundamenta sua experiência na doutrina o que, por sua vez, se desdobra no rito e na liturgia, principalmente no caso dos cristãos.”. A experiência religiosa mediante ao contato com o rito e a liturgia que não são meramente ritos e liturgias, mas propriamente hierofanias/teofanias, o homem passa a fundar a sua espiritualidade. O homem não cultiva espiritualidade para assim participar dos ritos, mas antes, participa deles e neles encontra o divino, e com este se une. Dessa maneira, funda sua espiritualidade.
Falando do existencialismo de Kierkegaard, mestre Eckhart e da busca pelo misterioso, devo lembrar que seja em Eckhart seja no filósofo dinamarquês, a experiência religiosa já fundava a sua experiência para com o mundo, ou seja, sua cosmovisão. Portanto, esse “ser indisível”, esse “Àquele que estava em tudo”, já figurava no constituinte do sentido do cosmo: esses mestre por sua tradição religiosa já colocavam no mundo um sentido sacralizado. Contudo, isso não constitui a “mística por excelência”, até porque a mística por excelência não existe: o que existe é a mística, é essa experiência metafísica com algo externo a nós, que durante um espaço de tempo parece fazer (e realmente faz) parte de nós – seja Deus, sejam homens, sejam animais, sejam objetos ou sentimentos.
Toda espiritualidade é mística, ao passo que conecta o homem à algo ou alguém metafísico! Portanto, por mais que possam existir Multiformes Espiritualidades, todas elas serão místicas, mesmo essa espiritualidade dita "racional", que até onde vejo, nada de efetivamente racional há: no máximo há uma racionalização in principio, para depois haver o "salto" como quis Kierkegaard.
Já escrevi muito e temo ter sido enfadonho e prolixo. De qualquer forma, espero ter esclarecido os pontos em que discordo do querido amigo: tarefa que só me tive ao trabalho de fazer por conta do diverso público que lê nossas palavras, de forma que não sejamos parciais.
Muito aproveitosas foram suas palavras e elas me inspiraram a escrever um novo post sobre mística! Até logo mais...
Alan B. Buchard