A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Multiforme Espiritualidade

Algumas coisas da vida ficam marcadas para sempre na mente e no coração. Para iniciar essa pequena palavra sobre a relação do homem com Deus, quero começar contando uma experiência, resumidamente, que tive na bela cidade de Paraty, mais especificamente em Trindade no estado do Rio de Janeiro. Penso que muitos dos leitores de Cristianismo Livre já estiveram lá e constataram o que eu e Kel, minha esposa, constatamos: uma cidade extasiante, bela e calma, com praias que lembram mais a descrição das histórias primordiais do Gênesis, quando do paraíso do Éden.

Nesse paraíso pude desfrutar de toda a beleza das paisagens, das águas quentes do mar, da boa comida e de muitas outras coisas que este "Jardim" proporciona. Mas, como todo Teólogo atento às múltiplas linguagens do mundo criado por Deus em busca de sentido que o permita responder as questões mais profundas, dei-me, num momento, a contemplar a beleza de tudo aquilo que me cercava: o mar, a fauna, a flora, o céu estrelado nas noites frescas a beira-mar. Nesse momento de contemplação fui tomado por um sentimento sublime, como se algo dentro de mim estivesse se unindo a algo que estava além de mim mesmo e senti como se estivesse sendo abraçado por alguém, alguém muito maior e mais forte que eu.
Não posso explicar a alegria que invadiu meu coração naquela hora. É como se tivesse me tornado uma indefesa criança e fosse tomada no colo por um pai amoroso.
Como traduzi esta experiência?

Redescobrindo a espiritualidade que se dá, também, na vida, na relação com as coisas criadas! Como o disse Dr. Edson de Almeida "é redescobrir a sacralidade da vida", e do mundo. Podemos traduzir esta espiritualidade numa linguagem antiga, de significado semelhante na qual a comunhão plena com Deus se dá de forma imediata. A Mística não quer abandonar o dogma, mas transcendê-lo retirando dele seu aspecto de finalidade. Além disso, o místico não abandona a realidade e a objetividade necessárias a uma religiosidade sadia, no entanto, busca abrir-se ao goso infinito que se manifesta também na vida.
Nessa mística da contemplação da natureza e na contemplação de tudo aquilo que é belo e que de muitas formas alcança o mais intimo do ser, pode-se experimentar Deus quando tudo isso se torna sacramento. Assim como "não nos basta o alimento, é preciso que o alimento se transubstancie em comida: mesinha arrumada, cheirinho bom do ingrediente... é preciso que a comida se transforme em sacramento."

Para melhor explicar essa comunhão com Deus faz-se necessário uma palavra tanto a respeito do significado desse tipo de espiritualidade - a mística - como de sua relação com a religiosidade objetiva: a doutrina, os ritos e a liturgia. Começo pela espiritualidade que fundamenta sua experiência na doutrina o que, por sua vez, se desdobra no rito e na liturgia, principalmente no caso dos cristãos. Não há nada de errado basear-se em dogmas, ritos e liturgia. Como afirmou Tillichi, é preciso "entender esse conjunto de doutrinas como representação de nossa preocupação suprema, a qual queremos servir num determinado grupo, que também se fundamenta na mesma preocupação suprema", e tudo o mais que deriva dela: rito e liturgia.

Como representação da preocupação última, daquilo que nos toca incondicionalmente, pode, então, ser vista a mística. Ser místico é ser "dominado" pelo interesse profundo que há em nós que, segundo Kierkegaard, é uma "paixão infinita" que se derrama em direção Àquele que é e está em tudo, ao mesmo tempo que não é e está para além de todas as coisas. "O menor de Deus repleta todas as criaturas e sua grandeza não se encontra em nenhum lugar", como bem disse Mestre Eckhard. É atrás desse ser sublime, indizível, que a alma do homem vai, em busca do "misterioso" num movimento imediato.

Isso traz algumas dificuldades para o espírito protestante, pois nele não é aceitável um movimento do homem para Deus, ao contrário, para os filhos da Reforma, somente Deus pode ir até o homem por meio da livre Graça manifesta em Jesus Cristo. No entanto, vemos muitos protestantes que demonstraram aspectos dessa espiritualidade mística, inclusive Lutero. Mas isso é um assunto para outra conversa.

Concluindo, queria deixar registrado como um simples pensamento sobre espiritualidade e para a reflexão dos leitores uma outra proposta, ou, uma outra linguagem da espiritualidade e da comunhão com Deus. Um acesso a Deus que é capaz de transcender os símbolos, a linguagem, o dogma, a liturgia ( não deixando de tê-la muitas vezes), o ríto, aquilo que pode ser mais sagrado em nossa tradição religiosa.

Poderíamos continuar, mas penso que devo parar por aqui, pois inauguro aqui minha volta ao Cristianismo livre e não quero ser enfadonho. Quero humildemente contribuir com outras reflexões, talvez um pouco mais maduras, mais informativas, que sejam do interesse dos leitores desse blog. Agradeço a oportunidade a meus amigos Thiago e Allan por permitirem minha estadia por aqui.

Cordialmente

Jonathan


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