A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

domingo, 29 de agosto de 2010

Da desinstitucionalização


" O que motiva a contenda entre vós"

Considerando que a religiosidade é uma das categorias constitutivas do homem, idependendo da "situação" histórica em que se encontra, o homem religioso tende a transformar sua experimentação ( experiência) do sagrado em uma formula ingessada, uma maneira, talvez, de eternizar sua experiência e mantê-la sempre em um nível de fácil acessibilidade. É como se, quando necessário, quando se quer vivenciar o contato"original" com o sagrado, acionasse um dispositivo que já esta posto, fundado, "fundamentado'', uma formula, um conceito fechado no qual revivemos o princípio fundante da relação homem-divino.

O "sagrado selvagem", como denominou Roger Bastide, o "ser sem forma", pois, se toma forma, pode ser compreendidio como objeto e assim conhecido sensivelmente. O sagrado, então, é institucionalizado. E sendo institucionalizado, como afirmou Bastide, perde o seu ardor, sua efervecência, ingessa-se.

Ao meu ver, além da perca do ardor, da efervescência, do calor da experiência, o sagrado torna-se ferramenta política, instrumento de conflito onde a dinâmica da relação homem-divino se transforma em ortodoxia, inflexivel e formal. Sendo assim, cada um ( grupo) obtem/possui o "sagrado verdadeiro" a partir da formulação de conceitos e representações.

Foi assim na patrística. Jesus era deus, era homem, era homem-deus, era deus-homem. Todos, ao experimentar o Cristo, quiseram inclausurar a experiência no conceito. E, daí, surgem as infindáveis concepções do "Cristo verdadeiro", preso nas ortodoxias e ideias conflitantes, tão conflitantes a ponto de se tornarem guerra. Guerra em nome de Cristo!

É, também, por causa desses conflitos que escrevo esse pensamento. Os conflitos derivados de uma "institucionalização do sagrado", da força político-pragmática com que subvertemos a "experiência", esfriamos aquilo que nos é tão pessoal, salpicado de fé, que arde no íntimo e que, praticamente em todas as vezes, não se entende e nem se explica: se vive.

Uma vez respondi a uma capciosa indagação: "Quem é Jesus para você?" Vinda, de certa forma inflamada, de um colega . Perguntava-me isso logo depois de o tê-lo arguido sobre quem seria o Deus dos cristãos. Claro que sua pergunta continha uma postura retórica em função de arrancar-me uma confição doutrinária. E é nesse espírito que todos nós - e aqui me refiro especificamente aos cristãos protestantes brasileiros do século XXI - nos relacionamos. Operamos dentro de uma necessidade de arrancar do outro uma confição que, da melhor forma possível, deve ser conforme a verdade. E para cada caso uma verdade. Quantas vezes agi assim!

Essa ortodoxia, esse zelo pela verdade, transforma-nos também em rivais. Conflitamos porque "entendemos a verdade sobre o sagrado", objetivamos o sagrado de forma que o "encaixamos" dentro da "verdade", da minha, da sua... agora ele é meu, é seu... e então a Igreja se auto-flagela!

Epistemologicamente no mundo moderno, isso tudo seria uma falácia. Correr atrás do vento. Como "informar" Deus? Talvez alguém me responda: a forma de Deus é Cristo. Mas, eu retrucaria: Deus se limitaria a uma forma?( e digo "forma" em uma plataforma filosófica) Ele seria tão objetivo assim? Então, podemos estudá-lo? Óh, Teologia! Tens ai seu objeto! Como saber?

Mas a experiência que brota da fé, aquela que mexe com as estruturas do ser, aquela que toma o símbolo como "ferramenta" do experimento, que conduz a mais profunda satisfação humana, dessa, nos esquecemos. Abandonamos o "espírito protestante" que condena toda e qualquer forma de totalitarismo, seja secular ou religioso. Esquecemos da experiência mística individual com o sagrado, mesmo que essa se "utilize" das muitas "verdade" disponíveis.

A fé que Paulo, o apóstolo, tanto defendeu, a fé pela qual se vive e pela qual se "justifica" no mundo, pela qual interligamo-nos com o sagrado, seja , talvez, a essência. A oração, linguagem mágica tão antiga e tão recomendade pelo mesmo apóstolo, como via e canal da dissolvência da relação sujeito-objeto numa relação mística onde não se deve ( ou não se deveria) subsistir qualquer forma icônica, seria , talvez, a boa prática.

Creio que de alguma maneira, deveriamos mergulhar nesse mar de mistério e experimentá-lo. E, como afirma Tillich, numa dinâmica de "mútua interpenetração do infinito e do finito" desconsiderarmos toda guerra entre nós na compreenssão de que o sagrado não cabe no bolso e muito menos em uma caixa.


Jonathan

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