Peço permissão para, por meio
desse pequeno texto, ser também pessoal e, escrevendo, buscar entendimento
sobre sentimentos que me percorrem e aflingem. Certo é que este último mês não
me foi dos melhores, afinal estar frente à morte nunca é uma experiência
agradável; ela, a morte, sempre nos causa estranhamento, um certo grau de
desconforto que são característicos. Sim, apenas neste mês de julho duas
pessoas muito queridas morreram, uma após dois anos de lutas frente à uma
enfermidade; a outra, de modo abrupto, rápido, com um enfarte fulminante;
porém, ambos, antes desses eventos, cheios de vida, de força, de uma altivez
motivadora e de um estilo de vida que nos impulsiona à Deus. Se foram o “tio
Jurandir” e o “irmão Castilho”. E aqui me questiono: que sentimento é esse que
nos percorre quando estamos diante à morte?
A morte é implacável e certa,
talvez seja a única certeza de nossas vidas, é uma certeza biológica e
incontestável. A poesia de Francisco Otaviano aponta para o sofrimento, que por
meio da morte se faz presente: Quem passou
pela vida em branca nuvem/ e em plácido recanto adormeceu,/ quem não sentiu o
frio da desgraça,/ quem passou pela vida e não sofreu/ foi espectro de homem,
não foi homem,/ só passou pela vida, não viveu. Este sentimento de
desalento, de incompletude é evidência da impotência humana frente à morte, é
demonstração da finitude humana, frente à um evento trágico que nos separa de
quem tanto amamos, e é esta separação que nos dói, nos massacra, nos abre o
peito em lágrimas. Eis a dor da saudade.
Mas, se por um lado a morte é
dor, sofrimento, separação e saudade, por outro, pelo viés cristão, é esperança
e renovo. Tal qual a natureza precisa da morte para recobrar forças e florir
após o inverno, o cristão busca na morte o renovo, assim, nós cristãos
redescobrimos na morte a força da esperança que nos impulsiona à viver. Sim,
Deus manifesta-se também nas dores que nos cercam. Dietrich Bonhoeffer aponta
para isso quando diz que a manifestação de Deus se dá na realidade humana: “Não há duas realidades, mas apenas uma, que
é a realidade de Deus revelada em Cristo na realidade do Mundo. Ao
comparticipar em Cristo, permanecemos, ao mesmo tempo, na realidade de Deus e
na realidade do mundo.” A manifestação divina em Jesus, em todos os
aspectos da sua vida messiânica, se deu nos momentos de felicidade e tristeza,
durante as tempestades e bonanças, Deus manifestou-se em Cristo , e em nós
também, nesses sentimentos díspares que moldam a complexidade humana. Assim, a
morte não é o abandono de Deus, mas também é sua manifestação, de um modo pra
além de nosso entendimento, apontando-nos para a finitude humana, mas
sobretudo, mostrando a esperança da eternidade com Cristo em Deus. Dietrich
Bonhoeffer foi enforcado pela ação do partido nazista durante a Segunda Grande
Guerra, ao ser levado para o cadafalso um de seus algozes lhe disse: “Este é o
fim”; Bonhoeffer retrucou dizendo: “Para mim, o início da vida.”
Mas a morte é implacável e certa,
mesmo com essas constatações a humanidade teima em amenizar, mascarar a morte.
Iludimos falseando a certeza da morte. Esse rompimento drástico com o tangível,
o perceptível, talvez seja a razão pela qual nunca estamos preparados para essa
trágica cisão. Mediante essas convicções, da certeza inevitável da morte e da
incerteza do que está para além da vida, é que podemos enfrentar “a morte sem
pavor ou rejeição”. A morte parece ser o antagonismo de Deus, mas curiosamente,
frente à morte de Cruz, Jesus contempla o Deus que está ausente. Esta teologia
negativa, da ausência, ainda sim nos remete à dimensão do cuidado e da
esperança. A jornada de Jesus teve um duro golpe na cruz, mas ainda sim trouxe
esperança enquanto percorria o caminho de Emaús. A morte é o nosso êxodo, é o
mar que se abre para a completude. A dor da morte é irrepreensível, mas
assemelham-se mais às dores de parto, pois é assim que experimentamos a vida,
agora eterna. Assim o pranto se transforma em dança, enfim.
Thiago Barbosa
Belissímo texto meu amigo.
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