A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Reflexões sobre morte e vida



Peço permissão para, por meio desse pequeno texto, ser também pessoal e, escrevendo, buscar entendimento sobre sentimentos que me percorrem e aflingem. Certo é que este último mês não me foi dos melhores, afinal estar frente à morte nunca é uma experiência agradável; ela, a morte, sempre nos causa estranhamento, um certo grau de desconforto que são característicos. Sim, apenas neste mês de julho duas pessoas muito queridas morreram, uma após dois anos de lutas frente à uma enfermidade; a outra, de modo abrupto, rápido, com um enfarte fulminante; porém, ambos, antes desses eventos, cheios de vida, de força, de uma altivez motivadora e de um estilo de vida que nos impulsiona à Deus. Se foram o “tio Jurandir” e o “irmão Castilho”. E aqui me questiono: que sentimento é esse que nos percorre quando estamos diante à morte?

A morte é implacável e certa, talvez seja a única certeza de nossas vidas, é uma certeza biológica e incontestável. A poesia de Francisco Otaviano aponta para o sofrimento, que por meio da morte se faz presente: Quem passou pela vida em branca nuvem/ e em plácido recanto adormeceu,/ quem não sentiu o frio da desgraça,/ quem passou pela vida e não sofreu/ foi espectro de homem, não foi homem,/ só passou pela vida, não viveu. Este sentimento de desalento, de incompletude é evidência da impotência humana frente à morte, é demonstração da finitude humana, frente à um evento trágico que nos separa de quem tanto amamos, e é esta separação que nos dói, nos massacra, nos abre o peito em lágrimas. Eis a dor da saudade.

Mas, se por um lado a morte é dor, sofrimento, separação e saudade, por outro, pelo viés cristão, é esperança e renovo. Tal qual a natureza precisa da morte para recobrar forças e florir após o inverno, o cristão busca na morte o renovo, assim, nós cristãos redescobrimos na morte a força da esperança que nos impulsiona à viver. Sim, Deus manifesta-se também nas dores que nos cercam. Dietrich Bonhoeffer aponta para isso quando diz que a manifestação de Deus se dá na realidade humana: “Não há duas realidades, mas apenas uma, que é a realidade de Deus revelada em Cristo na realidade do Mundo. Ao comparticipar em Cristo, permanecemos, ao mesmo tempo, na realidade de Deus e na realidade do mundo.” A manifestação divina em Jesus, em todos os aspectos da sua vida messiânica, se deu nos momentos de felicidade e tristeza, durante as tempestades e bonanças, Deus manifestou-se em Cristo , e em nós também, nesses sentimentos díspares que moldam a complexidade humana. Assim, a morte não é o abandono de Deus, mas também é sua manifestação, de um modo pra além de nosso entendimento, apontando-nos para a finitude humana, mas sobretudo, mostrando a esperança da eternidade com Cristo em Deus. Dietrich Bonhoeffer foi enforcado pela ação do partido nazista durante a Segunda Grande Guerra, ao ser levado para o cadafalso um de seus algozes lhe disse: “Este é o fim”; Bonhoeffer retrucou dizendo: “Para mim, o início da vida.”

Mas a morte é implacável e certa, mesmo com essas constatações a humanidade teima em amenizar, mascarar a morte. Iludimos falseando a certeza da morte. Esse rompimento drástico com o tangível, o perceptível, talvez seja a razão pela qual nunca estamos preparados para essa trágica cisão. Mediante essas convicções, da certeza inevitável da morte e da incerteza do que está para além da vida, é que podemos enfrentar “a morte sem pavor ou rejeição”. A morte parece ser o antagonismo de Deus, mas curiosamente, frente à morte de Cruz, Jesus contempla o Deus que está ausente. Esta teologia negativa, da ausência, ainda sim nos remete à dimensão do cuidado e da esperança. A jornada de Jesus teve um duro golpe na cruz, mas ainda sim trouxe esperança enquanto percorria o caminho de Emaús. A morte é o nosso êxodo, é o mar que se abre para a completude. A dor da morte é irrepreensível, mas assemelham-se mais às dores de parto, pois é assim que experimentamos a vida, agora eterna. Assim o pranto se transforma em dança, enfim.

 Thiago Barbosa

Um comentário: