A arte de pensar livremente

A arte de pensar livremente
Aqui somos pretensiosos escribas. Nesses pergaminhos virtuais jazem o sangue, o suor e as lágrimas dos que se propõem a pensar com autonomia. (TeHILAT HAKeMAH YIRe'aT YHWH) prov 9,10a

terça-feira, 5 de julho de 2011

Um esboço sobre aspectos básicos para a teologia acadêmica...ou sua tentativa

SEMINÁRIO TEOLÓGICO BATISTA DO SUL DO BRASIL – FABAT (Rj)

Curso: Teologia Ministerial

Disciplina: O que é, e para que serve teologia?

Professor: Thiago Barbosa (twitter.com/thiagobiotheos)



O QUE É TEOLOGIA?

A de se entender que teologia é uma ciência. Eventualmente não uma ciência como compreendemos e nos acostumamos a observar no cotidiano, porém, sim, é uma ciência. A maior dificuldade possivelmente seja que o elemento de estudo, o objeto teórico desta ciência é de difícil mensuração.

A saber, todas as ciências possuem três elementos essenciais: a) o sujeito epistêmico; b) o objeto teórico; c) o método específico. A teologia como ciência não é diferente. Nela observamos o sujeito epistêmico, o estudioso da teologia (teólogo); o método específico, que se mostra como o percurso feito pelo estudioso para alcançar e sistematizar o seu objeto teórico; e finalmente o objeto teórico da ciência, que para a teologia Deus e a sua criação. Evidentemente cabe um questionamento importantíssimo, pode-se estudar Deus?



DEUS É SÍMBOLO PARA DEUS.

Certamente, não se pode estudar Deus. Ele não é apenas um objeto que pode ser mensurado e avaliado pela percepção racional humana. Deus transcende todas as expectativas de racionalizações, de estudos e percepções. Obviamente este grau de transcendência que caracteriza Deus impede o seu estudo direto, afinal Ele não é um animal como os tantos que existem e que são objeto de estudo dos biólogos e veterinários. Idem acontece com o estudo dos engenheiros e seus edifícios, dos médicos e enfermeiros com seus doentes, dos agrônomos e o solo ou as lavouras. Estes objetos teóricos – animais, edifícios, pessoas doentes, solo ou lavouras – são objetos mensuráveis, mas evidentemente não apresentam o nível de transcendência que Deus nos mostra.

A frase de Paul Tillich representa bem como a teologia como ciência busca estudar Deus e sua criação. No apontamento, Deus é símbolo para Deus, vemos aqui duas proposições. A primeira anuncia que Deus é um símbolo. A continuação da frase completa dizendo que Deus é um símbolo para Deus, ou seja, podemos notar duas apresentações de Deus: 1) o Deus que é símbolo; 2) o Deus que é mais que o símbolo. Vejamos o esquema abaixo:
Deus é símbolo para Deus.

O Deus que é objeto teórico para a ciência teológica é um símbolo, uma representação do Deus transcendental, fruto da fé e da busca de cada pessoa que visa relacionar-se com o Deus transcendental.

Podemos trabalhar como conceito para símbolo a construção epistemológica racional que os homens fazem de um objeto ou de algo, “aquilo que, de forma arbitrária ou convencional, representa outra coisa” . Pierre Bourdieu tende a considerar a cultura e os sistemas simbólicos em geral como um instrumento de poder, isto é, de legitimação da ordem vigente. O Deus objeto teórico da teologia é, portanto, culturalmente concebido, fruto de um momento histórico, de uma perspectiva social, de uma demanda política, de um aparato econômico. Assim sendo é melhor dizer que a teologia estuda os discursos e apontamentos feitos por homens e mulheres na busca - ou em nome - de um Deus. Deus este que é símbolo, construção humana, em face de um Deus que transcende e mostra-se infinitamente maior que a capacidade racional humana. Esse Deus da fé humana não pode ser mensurado, nem, todavia estudado, a Ele cabe a fé, a busca. Mas a teologia debruça-se sobre os que os humanos dizem ser Deus, e, como esse Deus que é símbolo se manifesta na criação divina.

A perspectiva de que a teologia estuda o Deus que é símbolo permite ao estudioso da teologia um maior rigor crítico e metodológico em seus trabalhos. Contudo, esse teólogo não perde um dado fundamental para o estudo da teologia – que é a revelação – tal fato diferencia os estudioso da teologia e os estudiosos das ciências da religião. O teólogo não abandona o quesito da revelação falando a partir de sua perspectiva, em contrapartida o cientista da religião faz uma descrição metódica e neutra do fenômeno religioso. Enquanto o teólogo mostra-se inserido no processo que estuda, percebendo a realidade da revelação, o estudioso das ciências da religião apenas descreve metodologicamente as manifestações religiosas.



MAS COMO ASSIM REVELAÇÃO?

Etmologicamente pode-se descrever o significado de teologia como sendo um discurso, um saber, uma palavra, uma ciência de ou sobre Deus. Assim, situa-se numa sequência de movimentos que terminam em Deus concebido pela fé, seu intento é então aprofundar, justificar, esclarecer seu ato de fé. “A fé e a razão aliam-se no conhecimento verdadeiro. A fé genuína procura compreensão e expressão inteligente” .

A revelação é, portanto, as diversas formas como entendemos a manifestação divina. Evidentemente essa manifestação não é algo incontestável – tem um cunho totalmente pessoal e também se relaciona ao Deus transcendental - e deve ser aguçada pelo entendimento racional, sem desmerecer o dado da fé. Não se pode então estudar a revelação em si como a um objeto teórico, mas podemos nos ater aos fenômenos descritivos dessa revelação que são seus símbolos.

A revelação se dá então ao homem mediante sua história vivencial, dia após dia, nos elementos que o cercam e eventos que o emolduram; e também na sua cultura, em seus elementos relacionais, sua troca de experiências. Essa revelação de Deus na história e na cultura humana são elementos da fé e não podem ser mensuradas e sistematizadas pelo estudo teológico, a não ser pela teologia sistemática que se debruça justamente sobre os elementos da fé, organizando-os e apresentando reinterpretações da fé e, no caso, da revelação de Deus aos homens. Assim a proposta de sistematizar a revelação não é uma grandeza estática, antes se renova e reinterpreta constantemente, na mesma velocidade que o homem se altera na história e na cultura.

Evidentemente vemos vários fenômenos revelacionais, tais fenômenos são os eventos que podem ser relatados – são objetos teóricos – e podem então ser mensurados, estudados. Entre os fenômenos da revelação de Deus aos homens podemos ter principalmente:

a) Teofania – conceito teológico para a manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa. É uma manifestação sensível ou mensurável de Deus, ou mesmo mediante uma aparição angelical, ou ainda por intermédio de fenômenos impressionantes da natureza. O texto bíblico é repleto de relatos teofânicos que serão mais bem estudados nos módulos seguintes.

b) Hierofania – É o ato de manifestação do sagrado. Mircea Eliade cunha o termo hierofania em seu Tratado sobre a História das Religiões, buscando referir-se a uma consciência fundamentada no sagrado. Esta manifestação ocorre então em objetos habituais do ideário humano.

"Para aqueles que têm uma experiência religiosa, a natureza como um todo é susceptível de se revelar como sacralidade cósmica. O cosmos como um todo pode se tornar uma hierofania. O homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possível o sagrado ou na privacidade dos objetos consagrados. A sociedade moderna habita um mundo dessacralizado”.

c) Epifania – É uma sensação de realização ou compreensão da essência ou do afeto de alguém, no caso teológico, o sagrado. O termo é usualmente aplicado quando há um pensamento inspirado ou iluminado, que por sua completude é tido como divino. Traditivamente as religiões monoteístas têm em seu texto sagrado o dado da inspiração divina, trata-se, portanto, de uma epifania literária. As epifanias literárias podem ocorrer sob dois aspectos:

1) Epifania Literária Direta – O sagrado manifesta diretamente à mente do autor, e este serve apenas para a redação do texto em questão.

2) Epifania Literária Indireta – O sagrado manifesta sua ação na história e na cultura, assim o autor interpreta os fenômenos da história e da cultura que o cerca, os aspectos sociais, políticos e econômicos. O autor aqui está totalmente inserido no processo e deixa no texto suas impressões e perspectivas, bem como ideologias e percepções de sua própria autoria.

Sob essa perspectiva, a manifestação dos fenômenos da revelação pode ser mensurada, mas, a revelação em sim é um dado da fé que emana do sujeito religioso.



MAS O QUE É FÉ?

Quanto ao termo ou conceito, pode-se apontar que fé é a firme opinião de que algo seja verdade, mesmo quando não se tem provas ou critérios objetivos para verificação. Dá-se então pela absoluta confiança que depositamos em determinada proposição ou mesmo na fonte que transmite tal proposição. Mas a fé não parece ser muito mais complexa que um simples conceito? Ainda mais quando esse conceito teima em opor termos como fé e dúvida?

O Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro aponta para a fé sob quatro vieses distintos, e porque não dizer complementares:

a) Fé enquanto encontro – aspecto místico/misterioso;

b) Fé enquanto ensino – transmissão dos dogmas mediante o evento educacional da catequese e do doutrinamento;

c) Fé enquanto encanto – relacionado ao aspecto mágico dos eventos da “magia”;

d) Fé enquanto entrega – enquanto confiança em um aspecto desconhecido.

A fé mostra-se então como cada um desses aspectos, um termo polissêmico , mas sobre tudo é a na prática eclesiástica a junção de todas essas possibilidades na vida do sujeito religioso. A fé pode então ser apresentada em relação a uma pessoa, objeto inanimado, ideologia, pensamento filosófico ou sistema qualquer, conjunto de regras, paradigma popular social historicamente instituído, base dogmática de uma religião, é então sustentado, não por evidências racionalmente concebidas, mas transcende tudo isso. O filósofo existencialista Soren Kierkengaard conceitua fé como “um salto no escuro”. Sendo assim associa-se às experiências pessoais e pode ser relatada/compartilhada pelas pessoas, principalmente em um ambiente de fé. Embora - enquanto entrega - seja bastante percebida também nos meios acadêmicos. A fé não é percebida então exclusivamente nos ambientes religiosos, mas antes é característica evidenciada em cada ser humano, representa suas expectativas a respeito do mundo que o cerca.



CONSIDERAÇÕES FINAIS... (por enquanto...)

A teologia é sim uma ciência complexa possuindo em sua estrutura básica, várias outras disciplinas que a auxiliam no desenrolar de seus estudos. É comum termos aspectos da filosofia, sociologia, antropologia, arqueologia, lingüística, biologia, economia, entre outras, no intuito de corroborarem na perspectiva teológica. O teólogo é antes de tudo, um indivíduo comprometido com a fé, mas que não se furta de ler, reler, interpretar e reinterpretar o mundo, tudo com o intuito de compreender as pessoas e o mundo, mediante os aspectos da(s) fé(s).



Thiago Barbosa

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