Dias
atrás, um domingo pela manhã, como tantos outros me pus de pé para começar a
preparar minhas aulas de segunda-feira. Sim, esta é a sina de um professor,
trabalhar mesmo fora do local de trabalho, mas não reclamo, são nesses momemtos
que tenho contatos comigo mesmo e com o conteúdo que, antes de se apresentar
aos alunos, deve inevitavelmente apresentarsse-me antes. Mas naquela manhã não
seria assim tão simples, graças a um adepto do Salão das Testemunhas de Jeová.
Um
senhor, já passado dos setenta anos, as rugas no rosto e as madexas brancas já
se apresentavam como evidências da idade, apresentou-se à porta. Já suado da
caminhada por outras casas antes da minha, mas ainda com o bom sorriso
interorano, perguntou-me rapidamente como eu estava e se já havia ouvido falar
de Jesus. Não, no momento não me veio nem uma só resposta mais complexa à
mente, apenas disse que já tinha ouvido falar de Jesus, mas que não o conhecia
bem. Sempre sorridente o “senhorzinho” me deu os exemplares da revista SENTINELA
e DESPERTAI, e foi-se prometendo que nas revistas eu encontraria com Jesus.
A
minha resposta naquela manhã foi recheada de sarcasmo, caso fosse-me
apresentado uma visão particular de Jesus, ela teria sido criada mediante a
tradição denominacional daquele senhor, e eu a conheceria, mas não me
restringiria à ela. Caso me apresentasse um Jesus “novo”, poderia recuar à
visão traditiva que me apresentaram desde a infância. Minha resposta dúbia,
sarcástica, reflete também o sentimento que tenho como teólogo, afinal, essa é
uma pergunta pertinente: Quem é Jesus?
Como
personagem histórico, “factual (?)”, o Jesus passa a ser uma expeculação,
tomando os textos de John D. Crossan a discussão sobre o JESUS HISTÓRICO se
estenderia por mais um século, e possivelmente estaríamos deslizando sobre um
lamaçal de “achismos”, afinal dados que evidenciem a historicidade (talvez um
conceito que nos ajude nesse momento seja Geschitche) de Jesus não reflete a
relação popular, a construção memorial do povo com o Jesus traditivo e/ou com o
Cristo da fé.
Correndo
o risco de sermos simplórios podemos fazer vários apontamentos sobre Jesus:
1
– Ele foi apenas mais um judeu;
2
– Foi um espírito “iluminado” não um homem verdadeiro, de carne e osso, mas um
espírito que esteve entre a humanidade;
3
– Um homem, efetivamente um homem, mas soberano em boas ações, alguém que se
condoía com as massas populares, os estratos mais baixos da sociedade de sua
época;
4
– Possivelmente foi um agitador de massas, um revolucionário político, que por
meio de ações carismáticas mostrou sua indisposição contra o comando
governamental de sua época, um agitador que questionava o status quo de sua época;
5
– Um simples carpinteiro, um trabalhador braçal, insatisfeito com sua religião e que pôs-se a questioná-la
e reinterpretá-la.
Todas
essas são visões possíveis, em determinado aspecto todas podem inclusive
tocar-se, aproximarem-se. Mas evidentemente, ainda simplificam demasiadamente a
percepção de Jesus em meio ao povo de hoje.
Podemos
restringir nossas observações ao “cristianismo moderno”, e perguntar quem é
Jesus para as denominações cristãs. Certamente teremos também várias respostas,
pois cada denominação cristã “pintará” Jesus com suas próprias cores, seus
próprios matizes, seus pincéis serão os dogmas e as tradições denominacionais.
Batistas, metodistas, presbiterianos, luteranos, católicos, e todas as demais
denominações terão, traditivamente, o Jesus sob seus matizes doutrinários e
dogmáticos. Não é difícil de entender isso, Jesus sempre teve a sua imagem aproximada
dos grupos aos quais ele foi apresentado. Na Europa medieval Jesus assume
características européias.
Nos Estados Unidos não seria
diferente, de igual modo ocorreria na Ásia, na África .
Em nós, como seria o Jesus Latino? Talvez com o rosto de nossos indígenas?
Evidencia-se então que, em
qualquer sociedade ou grupo a imagem de Jesus é revista, reinterpretada e
aproximada ao grupo social de inserção. A imagem do cristo é eurocêntrica no
Velho Continente, é do conquistador Norte americano, é de olhos “puxados” na
Ásia, o negro africano, ou mesmo o povo da floresta na América Latina. A imagem
histórica de Jesus é refém da percepção sociológica, é refém da hermenêutica do
povo que o insere e o busca.
Jesus, ou ao menos sua imagem,
sempre se apresenta próximo de nós, por isso tantas imagens de um mesmo homem,
é a nossa necessidade de vê-lo como um de nós. Assim, a imagem de Jesus é
relativa ao grupo de inserção. Mas este não é um fenômeno moderno, os
evangelhos já apontavam para essa reconstrução imagética de Jesus.
Para minha exposição me atenho ao
texto alocado no evangelho de Marcos 8.27-30.
Mc 8.27 – Jesus partiu com seus
discípulos para os povoados de Cesaréia de Filipe, e no caminho, perguntou a
seus discípulos:”Quem dizem os homens que eu sou?”
Mc 8.28 – Eles responderam:”João
Batista; outros Elias; outros ainda, um dos profetas”. –
Mc 8.29 – “E vós, perguntou ele,
quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Cristo”.
Mc 8.30 – Então proibiu-os
severamente de falar a alguém a seu respeito.
Alguns aspectos gerais podemos
observar com alusão em outras passagens, Jesus era um Judeu, pertencia
formalmente a este viés religioso; era membro dos estratos sociais inferiores sendo
um carpinteiro, marceneiro, ou mesmo pedreiro; teve seu nascimento envolto em
uma controvérsia já que a explicação de ser “filho do Espírito” não foi bem
vista; era tido como um mestre, um rabino itinerante, caminhando pelo terreno
árido trazendo esperança e confrontação em seus discursos.
Caso Jesus não fosse assim mesmo,
esses são aspectos demonstrados pelos escritos canônicos, aos quais a sociedade
toma conhecimento. O personagem Jesus é acessado por esses escritos, bem como o
aspecto crédulo de cada fiel.
Chamo a atenção para a resposta
dada à arguição de Jesus. Ela demonstra que este é um texto escrito
posteriormente, e retropojetado aqui, ainda por um motivo desconhecido.
Possivelmente já tenham a intenção de apresentar desde aqui Jesus como o
Cristo, e essa afirmação vinda de Pedro denota a reconstrução da imagem desse
personagem, que pode ter sofrido desgaste pela ação paulina, ou mesmo em outras
passagens onde, por exemplo, Pedro teria “negado”Jesus. É importante que Jesus
seja O CRISTO, justamente apontado por Pedro.
Mas aqui iremos por parte, esses poucos
versos tem a intenção, e o fazem com grande propriedade, de apresentar a imagem
de Jesus. Aqui todos os matizes se encontram, e são três os matizes: João
Batista, Elias e os profetas, e O CRISTO.
A primeira resposta obtida é que
jesus é João batista. Historicamente é provável que Jesus não tenha apenas se
submetido ao batismo de João, mas também tenha integrado o seu círculo de
seguidores. Isso pode se evidenciar na abertura do texto Marcano, onde Jesus é
batizado por João e assume sua posição de agente retórico junto ao verso de Mc
1.14-15. O texto sugere que após o aprisionamento de João é Jesus seu sucessor
direto, tendo o cuidado de que Jesus tenha o mesmo discurso de João, o
arrependimento.
Jesus faz parte então do
movimento profético-carismático, especialmente as curas e os exorcismos
miraculosos apontam para isso. Mas Jesus reinterpreta as experiências
carismáticas, afinal a expressão “ a tua fé te salvou” torna-se constante, como
uma chave retórica ao final das ações miraculosas. Jesus é então aquele que
comumente está envolto aos milagres, às curas, aos exorcismos, mas além disso
fala sobre o arrependimento. É sucessor do movimento profético-carismático do “Batista”,
mas antes reinterpreta-o, revive-o, transcende-o para algo maior que as maravilhas.
Hoje muitos cristãos vêem Jesus apenas pelo viés das curas, dos exorcismos. São reféns de uma prosperidade
financeira miraculosa. Sim, certamente Jesus estava envolto em eventos
extraordinários, incompreensíveis aos olhos do povo simples, mas que atingia em
cheio suas expectativas. Jesus era agente do imediatismo dessas gentes, era
agente da cura, agente da saciedade, agente libertário. Mas diziam muito mais
sobre Jesus.
O segundo apontamente feito é que
Jesus é Elias, ou, um dos profetas. O profeta, é um agente que traduz as
necessidades das gentes sob o oráculo de Deus. Assumem a necessidade humana
como anseio divino, e seu discurso, sua fala, é nesse sentido. Assim, o profeta
expressa sua liberdade em relação ao passado quando reinterpretam a tradição,
chegando até a inverter o sentido das palavras “originais”. Jesus como Elias
assume para si o principal posicionamento desses personagem. O confronto de
Elias se deu com a concretização do primeiro mandamento. A indisposição do
profeta com os “baalistas” é quanto à exclusividade cúltica de Yaweh. Elias
retorna veementemente ao decálogo da aliança, Jesus representa esse retorno
também, porém, reinterpretado, revivido, transcendido às gentes de sua época. O
primeiro mandamento é sim o exclusivismo cúltico à Yaweh, mas há agora a
complementação retórica, ame ao teu próximo como a ti mesmo. Reintegração da
tradição, vivência do presente, tudo em favor da vida e da libertação do povo.
Os temas da crítica social do
profetismo de Israel em muito se aproximam dos dizeres de Jesus:
1 – A temática da opressão
sofrida pelos pobres é uma constante nos relatos sinóticos;
2 – A denúncia da fraude comercial;
3 – O acúmulo de casas e terras;
4 – Edificações e construções
luxuosas à custa dos pobres;
5 – O luxo com sinal de
arrogância;
6 – Quebra do direito, sumamente
com os menos favorecidos;
7 – Abuso da força e do poder
contra os de estratos sociais inferiores;
8 – O cuidado especial ao
estrangeiro, à viuva, ao órfão, enfim, aos que necessitam do cuidado.
O sermão da Montanha pode resumir
bem o caráter profético de Jesus, e nisso o povo se apoiava e tinha sua
expectativa. Jesus é profeta ao reinterpretar os seus dias e se colocar ao lado
dos mais necessitados. Mas ele transcende a necessidade do corpo, ele
ultrapassa o anseio social. Sim, a imagem de Jesus toma para si a figura do
profeta, mas transcende-o. Jesus é mais que um profeta.
Certamente a última resposta ao
questionamento de Jesus é a mais interessante, Jesus é O CRISTO. É essa
afirmação que denota a retroprojeção do texto, o conceito messiânico traz
consigo a força da ressurreição, portanto para que Jesus fosse tido como o
CRISTO sua morte e ressurreição já deveriam ter sido evidenciadas por seu
círculo de seguidores.
Jesus não via o juízo de Deus já
se realizando, mas o domínio de Deus chegando, e isso não por acaso em pessoas
que estão em necessidade. As aparições de Jesus, essas epifanias foram
entendidas como aparições de Jesus a partir do céu. No entanto, de acordo com a
interpretação de seus adeptos, Jesus não foi simplesmente trasladado ao céu como
João Batista ou outros mártires antes dele. Antes, a ressurreição representa
para eles, ao mesmo tempo sua elevação a uma posição celeste de domínio como “Filho
de Deus” e “Senhor”. Decerto é também neste contexto que Jesus é situado dentro
a tradição messiânica de Israel como “Christós”. De acordo com a fé de seus
adeptos, como ressucitado e elevado a Deus, ele está preparado para estabelecer
em seguida o seu domínio sobre Israel.
A morte de Jesus e sua
ressurreição, de modo semelhante ao que já sucedera com o martírio do "Batista",
são entendidas como uma etapa decisiva a mais no drama histórico-salvífico,
sendo que se atribui ao próprio Jesus, nesse tocante, um papel de relevância
permanente, desempenhado agora a partir do céu. Na tradição, essa “cristologização”
ou “messianização” de Jesus é retroprojetada para o Jesus terreno, como é o
caso da passagem que estamos averiguando. Assim, mesmo em vida, Jesus é também
o “ha mashiah”, o “Christós”, aquele que trará a definitiva resolução aos problemas
do povo de Israel.
De acordo com a fé de seus
adeptos, como ressucitado e elevado a Deus, Ele está preparado para estabelecer
em seguida o seu domínio em Israel.
Jesus tem consigo, ainda em vida,
as dores da cruz a morte e a ressurreição; é também o filho de Deus,
libertador, resgatador da humanidade para um mundo novo, redimido. Jesus, então
visto como Cristo, torna-se o centro da salvação humana.
Talvez sejamos questionados sobre
Jesus. Quem é Jesus, várias são as respostas possíveis, várias foram as
respostas dadas a Ele mesmo em seus dias de caminhada em meio ao povo. Certo é
que a imagem de Jesus é relativizada junto ao grupo social que inserimo-nos.
Jesus é João Batista, é o agente da cura, da libertação dos espíritos imundos,
é o agente miraculoso da fé tangível. Mas é muito mais que isso, Jesus é João
Batista, mas transcende-o.
Jesus é Elias e os profetas, é a
reinterpretação da Lei, é a disposição ao lado dos necessitados, famintos,
excluídos, é aquele que caminha com os que estão à margem. Jesus é a disposição
ao lado das gentes, dos povos de Israel, do Crescente fértil, mas não somente
lá, aqui também, é Jesus , como profeta, que se dá a conhecer aos povos
latinos. É Jesus, que alia-se aos uruguaios, argentinos, mexicanos ou Cubanos. É
Ele que esteve com os povos indígenas massacrados pela imposição do poderio
imperialista ibérico. É ele que ainda está nos acampamentos de trabalhadores
sem-terra, ou mesmo com os povos da floresta que anseiam por suas terras. É Jesus
como profeta que vai de encontro ao grito dos favelados e sertanejos do Brasil.
Sim, Jesus é Elias e os profetas, mas transcende-os.
Jesus é enfim, o Cristo. É a
esperança da fé, da redenção. É a esperança que se impõe contra o mau d’alma
humana.Cura d'Alma. Jesus Cristo é a esperança daqueles que anseiam por dias melhores,
plenos, repletos, da graça e da soberania de Deus. Mesmo sob um mundo
desesperançado, com Jesus, O CRISTO, há de vir a esperança, e redimir nossas
vidas para a plenitude. Opioso esse posicionamento? Mediante a causticidade dos
dias, resta-nos o sonho, o suspiro, o ópio de um Deus que se manifesta na
humanidade de Jesus, que é mil em perspectivas imagéticas, mas que se apresenta
à esperança humana da vida. Se Jesus é relativo, O CRISTO é absoluto.
Com fé e esperança, N’Aquele que
é o Cristo.
Thiago Barbosa